Colômbia em 2020: O ano promete a continuidade dos protestos por mais financiamento para o direito à educação

22 de março de 2020

Por: Fabíola Munhoz

María Elena Urbano e Cecilia Gómez, integrantes da Coalizão Colombiana pelo Direito à Educação, abordam a conjuntura nacional e as expectativas das comunidades educacionais do país, em relação ao direito humano à educação

Para conhecer os desafios e as oportunidades para a realização do direito humano à educação atualmente na Colômbia, conversamos com María Elena Urbano e Cecilia Gómez, integrantes da Coalizão Colombiana pelo Direito à Educação (CCDE), membro da CLADE no país. Durante a entrevista, abordaram a conjuntura nacional e as expectativas das comunidades educacionais nesse cenário, assim como os planos da sociedade civil para continuar sua luta pela garantia do direito à educação e de outros direitos humanos.

“Espera-se que as amplas mobilizações, que as organizações sociais, sindicais e de estudantes estão realizando, consigam negociar com o governo reivindicações que ajudem a reduzir as desigualdades sociais, a marginalidade e a exclusão, em que vive a maioria da população colombiana, melhorando as condições de vida no país”, afirmaram as entrevistadas.

Leia o diálogo completo a seguir.

Qual é o atual contexto para o direito à educação na Colômbia?

María Elena Urbano e Cecilia Gómez – A situação do direito humano à educação (DHE) na Colômbia, vista a partir do financiamento, está definida pelo Sistema Geral de Participações (SGP) e pela gratuidade da educação, com base no número de estudantes atendidas/os (financiamento per capita), o que não é suficiente para financiar adequadamente o DHE.

“As instituições educativas, pelo subfinanciamento existente, não estão em capacidade de conseguir os níveis de inclusão educativa sinalizados pela UNESCO e pelos acordos internacionais, o que afeta com maior impacto as populações em situação de pobreza extrema e de vulnerabilidade

Atualmente, com esses recursos, é possível cobrir o pagamento de salários e prestações sociais do setor educativo, o que representa 97% do orçamento global. O restante está destinado ao financiamento da cesta básica educativa, que consiste em mobiliário, material didático, manutenção da infraestrutura escolar, restaurante e transporte escolar e financiamento das universidades públicas. Isso é completamente insuficiente para cobrir as necessidades básicas do DHE.

Atualmente, as organizações sociais e sindicais, em mobilização permanente desde o ano passado, estão buscando uma reforma constitucional para modificar o SGP, e assim incrementar o orçamento destinado para a educação. Evidencia-se que a educação está subfinanciada, e isso se reflete nas infraestruturas escolares deficientes, na ausência de formação docente adequada, e na insuficiência de recursos para garantir o adequado desenvolvimento dos projetos educativos institucionais.

Nesse contexto, as instituições educativas, por causa do subfinanciamento, não estão em capacidade de conseguir os níveis de inclusão educativa sinalizados pela UNESCO e pelos acordos internacionais, o que afeta com maior impacto as populações em situação de pobreza extrema e de vulnerabilidade.

Quais são os impactos do baixo financiamento educativo público, para as populações que se encontram em situação de vulnerabilidade e pobreza?

María Elena Urbano e Cecilia Gómez – Existem populações que, por suas condições socioeconômicas e culturais, não estão sendo atendidas, pois as instituições educativas não contam com os recursos, nem com a infraestrutura requeridos,. Também não contam com as adequações curriculares pertinentes, gerando uma preocupante exclusão e discriminação, que tem profundas consequências e repercussões no incremento de conflitos urbanos e rurais, e em termos de segurança e convivência cidadã.

As populações com necessidades educativas especiais, em geral, não dispõem de suportes, tanto profissionais, quanto espaciais, nem de suprimentos para um atendimento adequado e pertinente. Em outras palavras, não está sendo garantido o DHE a essas pessoas, que não conseguem superar as barreiras para realizar seu projeto de vida.

A primeira infância é uma das etapas mais desatendidas atualmente na educação colombiana?

María Elena Urbano e Cecilia Gómez – A educação na primeira infância está atendida no país, em  parte, pelo Instituto Colombiano de Bienestar Familiar (ICBF), uma instituição de assistência social que atende a crianças de pré-jardim e jardim (3 e 4 anos). Porém, as pessoas que respondem ao instituto e trabalham com a educação na primeira infância são mães comunitárias, com baixa formação profissional, e que assistem as crianças geralmente em suas próprias casas, em setores de alta vulnerabilidade.

Por sua vez, o Ministério de Educação Nacional (MEN) atende a etapa de transição do nível pré-escolar (idade de 5 anos) para a educação básica, em instituições educativas públicas e com docentes licenciadas/os em Educação Pré-escolar. Porém, ainda não é implementado o pré-escolar de 3 séries, no âmbito do sistema educativo público, o que é uma das lutas das organizações sociais e sindicais.

Nesse contexto, quais são as expectativas para o direito à educação na Colômbia em 2020?

María Elena Urbano e Cecilia Gómez – Como coalizão nacional que defende o direito humano à educação, atuamos e prestamos nosso apoio para que as organizações sociais, sindicais e estudantis consigam entrar em acordo com o governo nacional pela reforma do SGP, gerando assim um maior orçamento para a educação no país.

Igualmente, espera-se que as amplas mobilizações que as organizações sociais, sindicais e de estudantes estão realizando consigam negociar com o governo reivindicações que ajudem a reduzir as desigualdades sociais, a marginalidade e a exclusão, em que vive a maioria da população colombiana, melhorando as condições de vida no país.

“A expetativa é manter as ações de mobilização enérgicas para que o governo e suas instituições garantam o direito humano à educação de todas e todos, e implementem os acordos de paz nos territórios, assegurando o respeito dos direitos humanos e a vida de mulheres, estudantes, sindicalistas, docentes, líderes sociais, defensoras e defensores dos direitos humanos no país

Dentro dos acordos já realizados entre governo e sociedade civil, falta avançar na implementação de uma política de educação pré-escolar de 3 anos, atendidos pelo sistema educativo público. Também se requerem ações por meio dos planos de desenvolvimento locais e territoriais, orientados para a atenção adequada da primeira infância e a educação de pessoas jovens e adultas, que permitam fortalecer e melhorar os processos educacionais nas instituições educativas públicas.

Nesse sentido, a expectativa é manter as ações de mobilização enérgicas para que o governo e suas instituições garantam o direito humano à educação de todas e todos, e implementem os acordos de paz nos territórios, assegurando o respeito dos direitos humanos e a vida de mulheres, estudantes, sindicalistas, docentes, líderes sociais, defensoras e defensores dos direitos humanos no país.

Para isso, seguiremos demandando que se fortaleçam e respeitem os acordos de paz pactuados no processo de negociação entre as FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] e o Estado, dada a quantidade de assassinatos de pessoas desmobilizadas e em processo de reincorporação. Igualmente, que sejam reabertos processos de negociação com as guerrilhas existentes, para alcançar a paz com justiça social no país.

Quais serão as atividades ou eixos de ação prioritários da Coalizão Colombiana este ano?

María Elena Urbano e Cecilia Gómez – No campo da primeira infância, assumimos o compromisso de incidir pelo financiamento adequado e por transformações para a Atenção e a Educação na Primeira Infância (AEPI), tanto no âmbito do Congresso da República, quanto em diálogo com o ICBF, o MEN e o Ministério da Fazenda e do Planejamento Nacional, para que sejam implementados ações e orçamentos destinados à AEPI, que respondam a uma perspectiva de direitos e às metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 4, sobre educação – ODS 4.

Também realizaremos uma experiência local de formação de docentes de AEPI no Município de Palmira, departamento do Valle del Cauca, e vamos desenvolver um trabalho com centros e programas que se dedicam a sua formação contínua, com o objetivo de contribuir com elementos para o nosso processo de incidência política.

Sobre o direito à educação de pessoas jovens e adultas (EPJA), realizaremos uma audiência pública com estudantes, docentes, diretorias e comunidade educativa de EPJA, no Congresso da República, com a presença de parlamentares aliadas/os. Para esse evento, também convidaremos o MEN e o Ministério da Fazenda e do Planejamento Nacional.

Também planejamos para este ano a elaboração de um relatório nacional sobre educação e desigualdade, que fará parte de um relatório sobre essa temática na América Latina e no Caribe, que a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), rede regional da qual formamos parte, está impulsionando.

Por fim, vamos nos somar às celebrações da Semana de Ação Mundial pela Educação (SAME) 2020. Essa grande mobilização internacional, que abrange marchas, seminários, ações de comunicação, incidência e diálogo, entre outras atividades realizadas em mais de 100 países, é organizada todos os anos, com a intenção de chamar a atenção dos Estados e da comunidade internacional sobre a importância e urgência de garantir o direito humano à educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade para todas as pessoas.