Quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil?
14 de junho de 2018
Evento organizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação apresenta indicadores, análises e reflexões sobre financiamento público adequado para garantir que todos tenham uma educação de qualidade no país
Ocorreu no dia 5 de junho em São Paulo, Brasil, por iniciativa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e no marco da Semana de Ação Mundial pela Educação (SAME) 2018, o Seminário “Quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil? ” Nesta ocasião, foi lançada uma publicação com a atualização e o registro do cálculo do mecanismo de financiamento educacional Custo-Aluno Qualidade Inicial (CAQi), bem como uma proposta para o Custo-Aluno Qualidade (CAQ).
O CAQi é um mecanismo de financiamento educacional criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que começou a ser desenvolvido em 2002, em parceria e diálogo com pesquisadoras/es, economistas, parlamentares, estudantes e professoras/es, entre outros atores. Esse mecanismo traduz em valores o montante que o país deve investir por estudante por ano, em cada etapa e modalidade de ensino público, para garantir um parâmetro mínimo de qualidade do ensino. O CAQ, por sua vez, havia sido discutido e calculado mais recentemente pela coalizão, e representa o esforço que o Brasil deve fazer para alcançar os países desenvolvidos em relação à educação.
O encontro começou com uma apresentação de Andressa Pellanda, coordenadora de Políticas Educacionais da Campanha, que apresentou os objetivos e os antecedentes da elaboração do CAQi e do CAQ. Em 2014, a Campanha Nacional conseguiu incluir os conceitos do CAQi e do CAQ no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. De acordo com o Plano, o CAQi deveria ter sido implementado até julho de 2016, período em que, além disso, o conteúdo do CAQ deveria ter sido definido, mas essas metas não foram atingidas.
Pellanda também relatou que apenas um dos dispositivos do PNE foi totalmente atendido, enquanto 30% de suas metas foram atendidas apenas parcialmente. O PNE completa quatro anos de vigência e, de acordo com o balanço de cumprimento do Plano elaborado pela Campanha Nacional, seu conteúdo, que estabelece metas para melhorar a educação desde a educação infantil até a pós-graduação, bem como a avaliação do ensino e o aumento do investimento público em educação de até 10% do Produto Interno Bruto (PIB), não foi devidamente priorizado como documento orientador das políticas educacionais no país.
“Também não foi cumprido a meta do plano que prevê o estabelecimento de um sistema nacional de educação e um regime de colaboração entre entidades federativas para garantir recursos mínimos para uma educação de qualidade no país, em consonância com a implementação do CAQi”, afirmou Pellanda.
Além disso, ela também apresentou a mais recente publicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que publica um registro das decisões políticas e técnicas que compõem o cálculo do CAQi e apresenta uma proposta para o CAQ construída a partir de uma ampla debate com pesquisadoras/es de educação, que inclui o dia escolar em tempo integral e outras condições para avançar a garantia da qualidade em todas as escolas do país e para todas as etapas da educação. “O CAQ é importante para que o financiamento e o parâmetro de qualidade não sejam apenas mantidos ao mínimo desejado, mas que possam avançar. Segundo o PNE, é necessário um esforço progressivo para o financiamento que garanta a qualidade educacional”, explicou Pellanda.
Ao longo da história do CAQi e por meio da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), da qual a Campanha Nacional faz parte, foi feito um esforço de cooperação entre o Brasil e outros países da América Latina e o Caribe, para que outras organizações e coalizões da sociedade civil se apropriem desse mecanismo de financiamento e possam aprofundar seus estudos sobre financiamento educacional relacionado à qualidade. Essa cooperação regional é mencionada na publicação que aborda a história do desenvolvimento do CAQi.
Por fim, Pellanda destacou que, no recente posicionamento do Comitê Diretivo da Campanha Nacional, exige-se retomar o PNE como um documento central para a agenda educacional e a implementação de políticas educacionais em nível nacional; a revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, que congela os gastos públicos com saúde, educação e assistência social por 20 anos, bem como outras reformas educacionais contrárias ao PNE implementadas desde 2016; e a definição de um novo FUNDEB (Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) fortalecido e com recursos adequados para todas as etapas e modalidades educacionais, com 50% das complementação de recursos pelo governo federal.
Em seguida, a Procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, afirmou que a baixa implementação do PNE se deve atualmente a dois elementos principais: o descumprimento da meta de estabelecer um Sistema Nacional de Educação e não implementação do CAQi e do CAQ.
Destacou também que os direitos fundamentais, como a educação, são acompanhados por instrumentos de defesa e justiciabilidade que devem ser usados para neutralizar os atuais retrocessos nas políticas educacionais no país, e que a EC 95, em vez de uma emenda inconstitucional, é um ato nulo desde sua origem. “De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 211, o Estado tem o papel solidário, e não subsidiário, no financiamento da educação pública, e tem a função redistributiva de recursos para este campo. Portanto, os estados e municípios podem e devem exigir da instância federal o direito de retorno dos recursos que não estão sendo repassados às localidades. O corte do financiamento educacional do governo federal é uma inconstitucionalidade por omissão”, afirma.
Além disso, criticou as políticas atuais de austeridade econômica e ajuste fiscal implementadas pelo governo nacional e considerou-as seletivas, uma vez que estabelecem exceções e isenções fiscais para os setores de negócios e o setor de educação privada, enquanto que por uma alegada falta de orçamento, cortam investimentos na realização dos direitos humanos fundamentais, que devem ser garantidos pelos Estados.
Em seguida, o professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP), apresentou como são calculados o CAQi e o CAQ, abordando também a proposta de atualização do mecanismo. Ele destacou que o principal avanço do CAQ é, além de abordar o dia letivo integral, incluir a carreira docente e os requisitos mínimos de treinamento para essa profissão. “Entendemos que a qualidade educacional não é medida pela nota da estudante ou do estudante, que resulta das características e condições socioeconômicas das famílias. Defendemos a qualidade como um conjunto de insumos que as escolas devem ter e um gasto mínimo por estudante para garantir um processo educacional apropriado para todas as pessoas”, disse.
Por sua vez, Gabriela Schneider, do Laboratório de Dados Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), abordou elementos fundamentais para o bom planejamento e execução de políticas públicas de educação, com base em dados sobre educação e financiamento educacional. “Precisamos nos perguntar onde queremos ir com as políticas educacionais e que tipo de escolas queremos oferecer. A partir deste ponto de vista, objetivos e estratégias de curto, médio e longo prazo podem ser estabelecidos, o que implica disputas políticas que devem ser permeadas por dados e avaliações das políticas que estão sendo implementadas”, explicou.
Ela também observou que é essencial que os dados educacionais analisados sejam desagregados e apresentem a desigualdade existente na oferta educacional, e defendeu a urgência de mecanismos de controle do Estado brasileiro, exigindo que para cada política haja planejamento, avaliação e financiamento adequados.
Em seguida, o advogado e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Salomão Ximenes, apresentou os debates e disputas que estão em pauta no projeto de Emenda Constitucional (EC) 15/2015, que institui um novo FUNDEB (Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação), atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Ele apresentou como crítica ao atual substitutivo da EC 15/2015 que é discutido na Câmara dos Deputados o fato de não incluir o CAQ e o CAQi, nem esclarecer que os valores do fundo devem ser destinados à educação pública e presencial, o que abre o caminho para a privatização da educação desses recursos. “Também não há prazo para a implementação do fundo”, acrescentou.
Por fim, Paulo de Sena Martins, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, divulgou outras informações sobre o processamento da EC 15/2015 no parlamento. Ele abordou algumas das inovações apresentadas pelo projeto, como a participação da sociedade civil na formulação, monitoramento e avaliação de políticas educacionais; a proibição de retrocessos; a equidade no financiamento educacional e formas de controlar o gasto de recursos. Ponderou, no entanto, que o processo da emenda no Congresso tenha sido dificultado devido à recente intervenção militar no estado brasileiro do Rio de Janeiro, situação que de acordo com a Constituição Federal impede a votação de projetos de lei no Plenário.
Também participaram do encontro uma menina e um menino do Movimento Sem Terrinha de São Paulo, filhos de trabalhadores do Movimento Sem-Terra (MST), que expressaram a qualidade da escola que desejam. Apontaram que gostariam de ter refeições saudáveis como parte da merenda escolar, como salada e frutas, e também gostariam de ter uma escola dentro do assentamento rural onde vivem, já que hoje têm que viajar quilômetros de ônibus até a escola onde estudam na cidade, sendo que quando chove têm que perder aulas porque o transporte público não pode chegar ao assentamento.
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