Chile: Docentes declaram greve por tempo indeterminado
6 de junho de 2019
Por: Samuel Grillo
Esta segunda-feira, 3 de junho, milhares de docentes, de norte a sul do país, iniciaram uma greve por tempo indeterminado, para demandar respostas satisfatórias a suas revindicações pela qualidade da educação pública, e por melhores condições de trabalho
Fotos e vídeos por: Foro por el Derecho a la Educación Pública
Em 2018, o Colégio de Professores do Chile, denunciou a crise estrutural na educação pública e em relação ao trabalho profissional docente no país, apresentando ao Ministério da Educação (MINEDUC) uma petição com 11 pontos. Em seguida, teve início um longo processo de conversas infrutíferas entre docentes e o Ministério da Educação, com respostas ambíguas e evasivas às petições do magistério. No último ano, foram organizadas manifestações e greves parciais para defender a qualidade da educação e demandar melhores condições de trabalho para o magistério.
Nesta segunda-feira, 3 de junho, milhares de docentes, de norte a sul do país, iniciaram uma greve por tempo indeterminado, para demandar uma resposta satisfatória do governo a suas petições. O Colégio de Professores, único sindicato docente que representa todas e todos as/os docentes do país, impulsiona a greve.
As reivindicações do magistério incluem: a eliminação da dupla avaliação de docentes, a titularidade das horas de extensão, o pagamento de menção a educadoras de creches e educação diferenciada, o fim da Lei Aula Segura e medidas para melhorar a educação pública. Fazem oposição também às mudanças curriculares para terceiro e quarto ano do ensino médio, anunciadas pelo MINEDUC, que eliminam História e Educação Física das disciplinas obrigatórias, convertendo essas matérias em optativas.
Dados do MINEDUC indicam que 22% dos colégios do país aderiram à paralisação, mas o magistério calcula uma cifra de 80% de participação na greve. Em Santiago, centros de estabelecimentos se uniram à paralisação, abarcando 24 mil docentes. Caso não haja uma resposta satisfatória do MINEDUC, estima-se que a paralisação docente aumentará em todo o país, envolvendo também estudantes e famílias.
Os protestos continuaram hoje (6) em Santiago.
Violência contra os protestos
Foram denunciados casos de agressão contra manifestantes que participaram dos protestos de segunda-feira. O Fórum pelo Direito à Educação Pública, membro da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) no Chile, participou da manifestação e relatou: “Mais de 200 pessoas, especialmente estudantes do ensino médio, apoiaram essa ação. Juntos marchamos até o Instituto Nacional para apoiar professoras e professores que se encontravam em atividades relacionadas à greve docente por tempo indeterminado, iniciada no dia 3 de junho. Apenas chegamos ao local, encontramos a ação repressiva de ‘Carabineros’ [força policial do Estado chileno], que – sem responder a qualquer tipo de provocação – levaram presos docentes e estudantes que protestavam para defender a educação pública”.
O Fórum faz parte da Rede Contra a Repressão de Estudantes do Chile e, como integrante do grupo, assinou uma declaração que rechaça a criminalização dos protestos estudantis no país, acirrada com a aprovação da Lei Aula Segura. No posicionamento público, demandam o restabelecimento de condições básicas para a construção de acordos que resolvam as necessidades de estudantes, docentes, famílias e trabalhadoras e trabalhadores da educação. “É necessário deter a perseguição e fortalecer de forma urgente, e em todos os âmbitos, a educação pública”, afirmam.
“Dívida histórica” com docentes do Chile
Desde 2018, vinham sendo realizadas mesas de diálogo entre o Colégio de Professores e o governo. Em novembro do ano passado, a Câmara dos Deputados realizou uma sessão especial para analisar a chamada “dívida histórica” do Estado com docentes do país.
Em 1974, teve início um processo contínuo de deterioração dos salários docentes. Segundo cifras do magistério, se em 1972 um docente recebia mensalmente $100, nove anos depois, seu salário foi reduzido para $28. Os fundamentos do que se denomina “dívida histórica” remontam a 1981, no contexto do processo de municipalização da educação nacional, quando não foi cumprido o Decreto Lei Nº 3.551 de 1981, que dispunha sobre o reajuste de salários-base para o setor público.
Esse ajuste deveria ter sido pago entre os anos 1981 e 1984. No entanto, ninguém recebeu integralmente esse valor, pois o novo responsável por fazer os pagamentos – a municipalidade em vez do Estado – não aplicou o decreto. Segundo a deputada Camila Rojas, mais de 60 mil pessoas continuam esperando para receber esses valores atrasados, que somam cerca de 14 bilhões de dólares.
Em março deste ano, funcionárias e funcionários do Ministério de Educação organizaram uma coletiva de imprensa para divulgar suas críticas à gestão da Ministra de Educação, Marcela Cubillos, e exigir sua renúncia. Nessa ocasião, também denunciaram a falta de participação da sociedade civil no debate e na definição das políticas educacionais, e a pouca clareza sobre como o Ministério pretende avançar na melhoria do sistema educacional da nação.
Contra a dupla avaliação de docentes
O magistério mobilizado no Chile se opõe também à dupla avaliação docente. “Por um lado, existe o portfólio, aplicado a cada 4 anos, que classifica as pessoas avaliadas em insatisfatório, básico, competente, destacado. Por outro lado, existe o Sistema de Desenvolvimento Profissional Docente (Carreira Docente), que classifica docentes nas categorias: inicial, intermediária, avançada, especialista I e especialista II, segundo a combinação da antiguidade no cargo, com resultados na Prova de Conhecimentos Específicos e o portfólio”, explica o Colégio de Professores.
Esses processos, de acordo com manifestantes, conduzem à opressão de professoras e professores, levando a que esses profissionais tenham que dedicar parte importante do seu tempo para se preparar para ambos os sistemas de avaliação, reforçando assim lógicas individualistas e competitivas na educação.
Lei Aula Segura
A lei, que entrou em vigor nesta segunda-feira (3), obriga escolas a incorporar nos seus regulamentos internos uma via rápida para expulsar estudantes por ações de violência.
Em posicionamento público, o Fórum pelo Direito à Educação Pública do Chile afirma que esse tipo de medida é uma agressão ao direito à educação de crianças, adolescentes e jovens do país, e busca criminalizar o movimento estudantil. Lamenta também que se veja nesse tipo de iniciativa uma solução para os problemas e conflitos educacionais.
“Rechaçamos esse tipo de manipulação que, ao dizer atender a um problema dos atores educacionais, acaba por minar a democracia no interior das escolas, abrindo caminhos para a mercantilização da educação e criminalizando os sujeitos dos estabelecimentos educacionais públicos”, afirma o Fórum.
Solidariedade internacional
Ontem (5) a Federação Nacional de Professores de Ensino Médio (FENAPES) do Uruguai, organização sindical que representa mais de 11.000 professoras e professores do país, expressou sua solidariedade com a greve docente no Chile, demandando que o governo chileno atenda e resolva as reclamações do magistério.
“Sua luta em defesa da educação pública de qualidade, referenciada socialmente, contra propostas curriculares que atentam contra a integralidade da formação das futuras gerações e pela melhoria das condições de trabalho, expressam o claro e histórico compromisso de trabalhadoras e trabalhadores da educação chilena, e do continente, por democracia, justiça social, direitos humanos e o desenvolvimento integral de nossos povos”, afirma a presidência da FENAPES, em carta enviada ao Colégio de Professores.
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