Violência contra crianças é tema do III Fórum Pan-Americano de Organizações da Sociedade Civil

30 de outubro de 2019

Por: Fabíola Munhoz e Thais Iervolino

O evento foi realizado em Cartagena (Colômbia), no âmbito do XXII Congresso Pan-Americano da Criança e do Adolescente

A persistência de um olhar patriarcal e adultocêntrico na sociedade; crianças que ainda são vistos como pessoas que “serão” e não que “estão sendo” e a naturalização da violência de pessoas adultas contra meninas, meninos e adolescentes foram alguns dos pontos que se destacaram em um balanço e debate sobre os 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas (CDC), realizada nesta segunda-feira (28) durante um painel de alto nível, que reuniu autoridades e sociedade civil em Cartagena, Colômbia.

O painel encerrou o III Fórum de Organizações da Sociedade Civil, realizado no âmbito do XXII Congresso Pan-Americano da Criança e do Adolescente. A Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) esteve presente no debate.

Intercâmbio cultural

De acordo com Najat Maalla M’jid, representante especial do Secretário-Geral da ONU sobre violência contra crianças, desde a criação da Convenção, foram feitos progressos nas estruturas legais e políticas e na produção de dados e evidências, mas é necessário um maior comprometimento político de governos e autoridades de todos os níveis, e do mais alto nível de políticas, para garantir os direitos das crianças e adolescentes e superar a violência infantil e juvenil.

“Se necesitan más financiamiento y datos desagregados sobre el cumplimiento de los derechos que tengan calidad y sean fiables. Se necesitan políticas desde un enfoque multisectorial y que alcancen a los niños, niñas y adolescentes que más necesitan”, dijo.

A especialista apontou como desafios importantes de hoje: a pobreza, a desigualdade, a exclusão social, a situação de violência contra crianças e adolescentes refugiadas/os e migrantes, o recrutamento de adolescentes e jovens por gangues e grupos criminosos, a falta de acesso à justiça, a corrupção e a impunidade.

“No es solo un tema de cambiar leyes, es cambiar la cultura, la mente de las familias sobre cómo disciplinar de manera positiva a los niños y las niñas. Es necesario fortalecer los roles de la sociedad civil para presionar y vigilar por los cambios, avances y políticas. Se necesita articular diferentes actores, sectores y niveles de gobierno para garantizar la protección de los derechos de las niñas, niños y adolescentes, por ejemplo con la articulación entre salud, educación, protección de las familias, etc.”, subrayó. 

Convenção dos Direitos da Criança como tema central do currículo da educação básica

Victor Giorgi, diretor geral do Instituto Interamericano da Criança e do Adolescente (IIN) também defendeu que, além da criação de leis, é necessária uma mudança cultural para garantir os direitos de meninas e meninos.

Ele afirmou que é necessário questionar o lugar que as crianças e os adolescentes têm nos processos de tomada de decisão das organizações da sociedade civil e instou o fortalecimento de uma sociedade civil comprometida com os direitos humanos, atuando de maneira coordenada, a partir de um olhar estratégico e da capacidade proativa.

“É necessário o conhecimento, a interpretação e a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança. O conteúdo da Convenção deve ser um tema central do currículo da educação básica, para que meninas, meninos e adolescentes se apropriem desses direitos e os exijam. Além disso, é necessário um treinamento para as e os adultos que trabalham com crianças e adolescentes, para que respeitem esses direitos e garantam a convivência intergeracional e a participação de meninas, meninos e adolescentes”, afirmou.

Giorgi também apontou alguns desafios e ameaças para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes na região, como: a violência do Estado e violência diária e invisível contra meninas, meninos e adolescentes; o discurso da segurança e seus efeitos em termos de criminalização e repressão contra crianças e adolescentes em situações de pobreza e vulnerabilidade; políticas que argumentam que é necessário reduzir o papel dos Estados e cortar recursos públicos em direitos sociais; e fundamentalismos religiosos que contribuem para aprofundar a discriminação.

“É necessário aumentar o investimento nos direitos da criança, desde os orçamentos dos Estados, a cooperação internacional e a OEA [Organização dos Estados Americanos]”, acrescentou.

Falta de dados e de transparência sobre a situação de crianças e adolescentes

A gerente de programa da organização Child Rights Connect, Ilaria Paolazzi, apresentou o papel de sua organização no acompanhamento da submissão de relatórios pelos Estados ao Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas (CRC) e na defesa de relatores especiais da Conselho da ONU e dos Direitos Humanos, para fazer valer os direitos de meninas e meninos.

Afirmou que faltam relatórios da sociedade civil, realizados por crianças e adolescentes, que abordem a situação de seus direitos. Também apontou como outro desafio o fechamento de espaços para a participação da sociedade civil nas políticas públicas em diferentes países e contextos.

“Os Estados foram convidados pelo Comitê dos Direitos da Criança a apresentar propostas concretas para implementar a CDC até 20 de novembro. Da OEA, apenas o Canadá, o Chile e o Equador responderam até o momento. O UNICEF também solicitou esses compromissos; 14 Estados da região responderam, mas não há informações públicas sobre o assunto”, explicou.

Além disso, a representante do Child Rights Connect apontou como desafios para a garantia dos direitos da criança e do adolescente: o tráfico e exploração, a violência contra crianças e adolescentes em situação de rua, a violência sexual e doméstica, a punição punição corporal e a violência contra meninas, meninos e adolescentes que são defensores dos direitos humanos.

Sobre o Congresso

O Congresso Pan-Americano da Criança e do Adolescente é um dos três órgãos que compõem o IIN (em conjunto com o Conselho Diretor e a Diretoria Geral), e tem como objetivo promover o intercâmbio de experiências e conhecimentos entre os Estados membros do Sistema Interamericano.

Desde 1916, os Congressos Pan-Americanos são exemplos de diálogo, reflexão e comunicação, nos quais são visíveis os vários níveis alcançados pelos países americanos no desenvolvimento de suas políticas para a infância e a adolescência. Nesta edição do Congresso, são abordados os eixos centrais: a superação da violência contra crianças e adolescentes, a participação de meninas, meninos e adolescentes e sistemas abrangentes de proteção e garantia de direitos para crianças e adolescentes.