Foto: Pixabay

Como devem ser a educação e o cuidado na primeira infância pós-COVID-19?

10 de junho de 2020

“Ainda que a doença causada pelo COVID-19 não afete as crianças da mesma forma que está afetando as pessoas de outras idades, seus efeitos colaterais para a infância são os mais graves”, afirmou Luis Ernesto Pedernera, presidente do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU (CDC), durante o diálogo virtual “A educação e o cuidado na primeira infancia na América Latina e Caribe frente a tempos de pandemia”, realizado no dia 28 de maio pela CLADE, em parceria con a OMEP América Latina e a EDUCO.

Destacando os impactos da pandemia para a saúde mental e física das crianças, Luis Pedernera defendeu a construção de uma nova realidade para a educação e o cuidado na primeira infância. “Não concordo que tenhamos que voltar a uma nova normalidade. É preciso construir uma nova realidade. Esse é o momento para construir uma nova realidade em termos de relações humanas e de relações pedagógicas”, disse. 

Para o presidente do CDC, nesse contexto as famílias não deveriam ser deixadas sem apoio frente a um panorama de incerteza. “Temos visto que as famílias estão enfrentando a pandemia e devem receber um acompanhamento psicossocial e pedagógico para que a pandemia não seja vivida solitariamente pela família”, afirmou.

O acesso à educação deve ser para todas e todos. Nesse sentido, na primeira infância esse acesso também implica na possibilidade de pensar a família como a protetora do direito à educação

Ao lado de Luis Pedernera, participaram do encontro: Alexandra Inmaculada Santelises Joaquín, diretora de Educação Inicial do Ministério da Educação da República Dominicana; Cristina Lustemberg, deputada do Uruguai; Constanza Alarcón, vice-ministra de Educação da Colômbia; e Mercedes Mayol Lassalle, presidenta mundial da OMEP. Mikel Egibar, da EDUCO, ficou responsável pela moderação. 

Para Mercedes Mayol Lassalle, construir essa nova realidade demanda desenvolver políticas públicas a partir do enfoque de direitos, com uma concepção integral e intersetorial da educação e da infância. “O acesso à educação deve ser para todas e todos. Nesse sentido, na primeira infância esse acesso também implica na possibilidade de pensar a família como a protetora do direito à educação, não apenas pensando nos sistemas institucionalizados, mas também que muitas crianças pequenas ficam em casa vários anos antes de chegar aos espaços institucionais. E é lá que nós, enquanto sociedades – e também a política pública – devemos encontrar o lugar para poder trabalhar em uma democratização e despatriarcalização das famílias”, afirmou.


Financiamento e valorização de educadoras e educadores

Para o presidente do Comitê da ONU, os orçamentos relativos ao investimento social devem ser ampliados. A presidenta mundial da OMEP também expressou concordar com o aumento do orçamento para a educação e o cuidado na primeira infância. 

“O financiamento é absolutamente central, mas enfrentaremos um problema que já está acontecendo: há um debate sobre de onde virá o dinheiro no pós-COVID e, de acordo com os outros cenários, realmente o financiamento será escasso. Dessa maneira, é necessário que haja uma decisão política para garantir o aumento [de recursos]”, assinalou.

Ela acrescentou que é essencial que os governos respondam à necessidade de valorizar e reconhecer a importância dos educadores e educadoras. “Essa é uma tarefa central para o desenvolvimento fundamental da primeira infância, o acompanhamento desses educadores, cuidar dos que cuidam”, explicou.


A educação que queremos

Os exemplos do que aconteceu no Japão e na China na pós-pandemia, onde as e os estudantes voltaram às aulas em escolas robotizadas, com distâncias marcadas no chão e de maneira totalmente desumanizada não devem ser seguidos no cumprimento de uma educação de qualidade, a partir de uma perspectiva de direitos, segundo Luis Pedernera. 

“Há pouco tempo, li um artigo de uma filósofa pedagoga e de um pediatra espanhol [Heike Freire e José María Paricio Talayero] e eles convidam a criar uma nova escola, mas não essa escola robotizada, e sim uma escola íntima, ou seja, não massificada, onde as relações e o humano se coloquem sobre outras questões, inclusive sobre o acadêmico; uma escola mútua que se abra à participação de outras disciplinas, de voluntários e também da família. Uma escola coerente e que volte a dialogar com a natureza”, afirmou o presidente do CDC.

O desenvolvimento estende-se, se amplia e enriquece graças à cultura, à brincadeira, às artes e aos sentidos que vamos construindo em comunidade

Por sua vez, Mercedes Mayol Lassalle chamou a atenção para a qualidade da política pública e sua relação com a participação democrática da comunidade educativa em sua construção. Para ela, os programas devem aproximar-se tanto das famílias, quanto das crianças e a qualidade não pode ter apenas um parâmetro. “Não é fixar, é construir sentido e essa construção de sentido faz-se junto com a comunidade, junto com as famílias. É algo móvel, que se constrói através da participação e da democracia, incluindo certamente a brincadeira, a linguagem das artes, a cultura, porque o desenvolvimento não é natural, é cultural. O desenvolvimento estende-se, se amplia e enriquece graças à cultura, à brincadeira, às artes e aos sentidos que vamos construindo em comunidade”, explicou.


Foto: Ratão Diniz/UNICEF Brasil

As decisões para conter os impactos do COVID-19 devem reconhecer a diversidade das infâncias

4 de junho de 2020

As medidas adotadas pelos Estados para conter os impactos do COVID-19 desenvolvem-se a partir de um enfoque adultocêntrico e não têm reconhecido a diversidade das infâncias e de seus contextos, baseando-se em uma perspectiva predominantemente sanitarista que não aborda as questões pedagógicas e psicológicas. Essa análise de Luis Pedernera, presidente do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU, foi compartilhada no diálogo virtual “A educação e o cuidado na primeira infância na América Latina e Caribe frente a tempos de pandemia”, realizado no dia 28 de maio pela CLADE, em parceria com a OMEP América Latina e a EDUCO.

Segundo o presidente do Comitê, “as decisões [dos governos] não reconhecem que temos uma pluralidade de infâncias: de povos originários, [infâncias] amazônicas, rurais, costeiras, campesinas, meninos e meninas com deficiência, em situação de rua, migrantes, que requerem uma pluralidade de olhares em uma política pública para reagir à pandemia”. 

Pedernera acrescenta que: “em todo o proceso de toma de decisões posso contar nos dedos de uma mão quem foram os chefes de Estado que se comunicaram com os meninos e meninas para conhecer suas opiniões e saber como estavam vivendo o processo de tomada de decisões na pandemia”.

Para o presidente do Comitê da ONU, a perspectiva dos meninos e meninas deve ser incorporada na hora de pensar as políticas públicas. “Quando digo perspectiva, quero dizer escutar as crianças, facilitar-lhes a informação de forma adaptada, amigável, para que elas sejam conscientes desse momento histórico que estamos vivendo nessa pandemia”.

Além de Pedernera, participaram no encuentro: Alexandra Inmaculada Santoises Joaquín, diretora de Educação Inicial do Ministério da Educação da República Dominicana; Cristina Lustemberg, deputada do Uruguai; Constanza Alarcón, vice-ministra de Educação da Colômbia; e Mercedes Mayol Assalle, presidenta mundial da OMEP. Miko Egibar, da EDUCO, ficou responsável pela moderação.


Repensar os planos de educação para crianças

Alexandra Santoises relatou o processo de construção das políticas para o cuidado e a educação na primeira infância na República Dominicana. “Há cinco anos e meio, estamos adotando e implementando uma política pública de educação integral para a primeira infância e justamente antes da pandemia estávamos nesse processo de ampliação da cobertura no marco dessa política de atenção”, disse. 

Com a crise, o governo teve que repensar as estratégias educativas para conceber uma formação com outras características, adaptada à situação de isolamento social. 

Na Colômbia, a crise sanitária fez com que o sistema educativo fosse repensado. Como ter contato direto com as famílias para ministrar educação em casa? Como fortalecer os recursos no setor educativo para apoiar a diversidade de contextos das infâncias, com um percentual muito grande de famílias em zonas rurais sem acesso à internet? Essas são algumas questões que o Estado colombiano vem enfrentando desde o começo da crise. 

Segundo Constanza Alarcón, a educação para a primeira infância no país não está centrada apenas nos espaços digitais. “Temos cadeias de televisão e rádios locais que, de segunda a sexta, apresentam faixas específicas para os temas de educação inicial. Além disso, tivemos que ajustar o plano de trabalho com as famílias”, explicou. 

No Uruguai, o sistema educativo começa pouco a pouco o processo de reintegração e reabertura escolar. Cristina Lustemberg conta que, durante a pandemia, 95% das e dos estudantes se mantiveram conectados/as às escolas, graças ao grande esforço dos docentes no país.


O direito à educação e ao cuidado na primeira infância: perspectivas da América Latina e Caribe

Em diálogo virtual, Mercedes Mayol Assalle apresentou os principais achados do estudo “O direito à educação e ao cuidado na primeira infância: perspectivas da América Latina e Caribe” (em espanhol), elaborado pela CLADE e pela OMEP, com o apoio da EDUCO.

A investigação revela que, ainda que as Leis Gerais de Educação na região reconheçam a educação como um direito humano e o Estado como responsável pela garantia de seu pleno exercício a partir da primeira infância, partindo de diferentes pontos, persiste uma fragmentação e dispersão das políticas e práticas para essa etapa educativa, assim como a ausência de um financiamento adequado. 

“O que temos visto é que, tanto nos marcos jurídicos, como nos políticos, orçamentários e institucionais, necessitamos dar muito mais visibilidade à primeira infância e à construção das políticas, sobretudo apoiados em toda a orientação exigida pela Convenção [sobre os Direitos da Criança]”, disse Mercedes Assalle, em sua apresentação. 

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La imagen es una ilustración sobre un fondo blanco con unos detalles naranjas entres esquinas; solo la esquina superior derecha es blanca. En la parte de encima, está el título de la campaña, en color blanco sobre un fondo fucsia, que dice: “Derechos desde el principio”. Al lado izquierdo del título, está la ilustración de un niño indígena con taparrabos de color azul y fucsia con una guacamaya azul en su brazo. Encima del título, está la ilustración de un niño rubio haciendo una media luna; él lleva una bermuda en tonos verdes y naranjas y está sin camiseta. Debajo del título está el texto de color blanco sobre una franja de color naranja: “La educación y el cuidado en la primera infancia en América Latina y el Caribe ante tiempos de pandemia”. Al lado izquierdo del texto está la ilustración de un niño de la cintura para arriba. Él está sonriendo y tiene una gorra en la cabeza de color rojo, lleva una camiseta verde sin mangas y está escribiendo en un cuaderno blanco con azul. Debajo de este texto, al lado derecho, está la ilustración de una niña y un niño sentados a una mesa con platos de comida. La niña lleva coletas y tiene cabello de color verde, usa una camiseta roja y tiene una cuchara verde en su mano izquierda. A su lado derecho, está un niño negro con la cabeza rapada; él sonríe y tiene una cuchara roja en la mano izquierda.

Diálogo virtual aborda a educação e o cuidado na primeira infância em tempos de pandemia

20 de maio de 2020

Com o propósito de impulsionar diálogos e reflexões sobre as atuais oportunidades e os desafios para a realização da educação e do cuidado na primeira infância como um direito humano, a CLADE, em aliança com a OMEP América Latina e EDUCO, realizou o diálogo virtual “A educação e o cuidado na primeira infância na América Latina e no Caribe diante de tempos de pandemia”. O evento aconteceu nesta quinta-feira, 28 de maio, das 15h às 16h30 (GMT-3), e foi transmitido pelos canais da CLADE no Facebook e no Youtube.

No encontro, foram abordadas conclusões do estudo “O direito à educação e ao cuidado na primeira infância: perspectivas da América Latina e do Caribe”, elaborado por CLADE e OMEP, com o apoio de EDUCO, e também foram analisados os desafios que a atual crise sanitária nos impõe devido à pandemia COVID-19. Participaram: Alexandra Inmaculada Santelises Joaquín, Diretora de Educação Inicial do Ministério da Educação da República Dominicana; Cristina Lustemberg, Deputada do Uruguai; Constanza Alarcón, Vice-ministra de Educação da Colômbia; Luis Pedernera, presidente do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU; e Mercedes Mayol Lassalle, presidenta mundial da OMEP. Mikel Egibar, da EDUCO, fez a moderação

 


O direito à educação e ao cuidado na primeira infância: perspectivas da América Latina e do Caribe

A pesquisa revela que, embora as Leis Gerais de Educação na região reconheçam a educação como um direito humano e o Estado como garantidor de seu pleno exercício desde a primeira infância, com diferentes pontos de partida, persiste a fragmentação e a dispersão das políticas e práticas para essa etapa educativa, bem como a ausência de um financiamento adequado

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<span style=A organização internacional Child Rights Connect acompanha o processo de conhecimento e exigência dos direitos de crianças e adolescentes diante do sistema de direitos humanos das Nações Unidas (ONU), especialmente perante o Comitê dos Direitos da Criança da ONU. É uma rede independente sem fins lucrativos composta por mais de 80 organizações nacionais, regionais e internacionais que atuam para garantir que as crianças e adolescentes possam exercer plenamente seus direitos, tal como definido na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC). Nesta entrevista, Agnes Gracia Corberó explica que o contexto de pandemia COVID-19 afeta de muitas formas os direitos de crianças e adolescentes de todo o mundo, entre eles a educação, diante da suspensão de aulas presenciais e da adoção do ensino à distância, contexto que agravou as condições de pobreza e exclusão de muitas pessoas e famílias. Segundo a ativista, as informações de prevenção ao COVID-19 são muito importantes, mas não suficientes para enfrentar e responder a complexidade e as consequências da pandemia nos âmbitos econômico, cultural e social. Neste diálogo, foi abordado o aniversário de 30 anos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e a forma como essa celebração tornou visíveis à opinião pública muitos desafios para os Estados em relação à participação e à protecção de crianças e adolescentes que defendem os direitos humanos. Ouça a entrevista na íntegra (em espanhol): ">
Diálogo con Agnes Gracia Corberó, Punto focal para América Latina y África de la organización internacional Child Rights Connect

Direitos da criança e participação da sociedade civil

19 de maio de 2020

A organização internacional Child Rights Connect acompanha o processo de conhecimento e exigência dos direitos de crianças e adolescentes diante do sistema de direitos humanos das Nações Unidas (ONU), especialmente perante o Comitê dos Direitos da Criança da ONU. É uma rede independente sem fins lucrativos composta por mais de 80 organizações nacionais, regionais e internacionais que atuam para garantir que as crianças e adolescentes possam exercer plenamente seus direitos, tal como definido na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC).

Nesta entrevista, Agnes Gracia Corberó explica que o contexto de pandemia COVID-19 afeta de muitas formas os direitos de crianças e adolescentes de todo o mundo, entre eles a educação, diante da suspensão de aulas presenciais e da adoção do ensino à distância, contexto que agravou as condições de pobreza e exclusão de muitas pessoas e famílias. Segundo a ativista, as informações de prevenção ao COVID-19 são muito importantes, mas não suficientes para enfrentar e responder a complexidade e as consequências da pandemia nos âmbitos econômico, cultural e social. Neste diálogo, foi abordado o aniversário de 30 anos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e a forma como essa celebração tornou visíveis à opinião pública muitos desafios para os Estados em relação à participação e à protecção de crianças e adolescentes que defendem os direitos humanos.

Ouça a entrevista na íntegra (em espanhol):


<span style=Atualmente, o contexto COVID-19 é analisado em todo o mundo pelos 10 Comitês das Nações Unidas (ONU), os quais pedem aos Estados que, em meio à crise, não suspendam os direitos humanos, e menos ainda retrocedam em relação a esses direitos. No entanto, a região latino-americana e caribenha é a parte do mundo com maior desigualdade e violência sem atravessar um conflito armado explícito. O Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança faz recomendações e sugestões para melhorar e medir os avanços dos Estados no que diz respeito aos direitos de crianças e adolescentes. Nesta entrevista, Pedernera compartilha sua visão e sua experiência em defesa dos direitos da infância e da adolescência em todo o mundo. Assinala que as vozes de crianças e adolescentes devem ser ouvidas, e que é necessário buscar mecanismos criativos para sua participação nas escolas e nos centros educativos. Além disso, comenta as preocupações e os riscos relativos ao cumprimento dos direitos à educação e à participação de crianças e adolescentes no contexto de distanciamento social e fechamento de escolas devido à pandemia COVID-19. Também compartilha reflexões sobre os desafios da migração na infância, bem como os relacionados à redução da maioridade penal em alguns países.   Ouça a entrevista na íntegra (em espanhol). ">
Diálogo com Luis Pedernera, Presidente do Comitê sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU)

Luis Pedernera: “A crise do COVID-19 não pode afetar os direitos humanos”

Atualmente, o contexto COVID-19 é analisado em todo o mundo pelos 10 Comitês das Nações Unidas (ONU), os quais pedem aos Estados que, em meio à crise, não suspendam os direitos humanos, e menos ainda retrocedam em relação a esses direitos. No entanto, a região latino-americana e caribenha é a parte do mundo com maior desigualdade e violência sem atravessar um conflito armado explícito.

O Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança faz recomendações e sugestões para melhorar e medir os avanços dos Estados no que diz respeito aos direitos de crianças e adolescentes.

Nesta entrevista, Pedernera compartilha sua visão e sua experiência em defesa dos direitos da infância e da adolescência em todo o mundo. Assinala que as vozes de crianças e adolescentes devem ser ouvidas, e que é necessário buscar mecanismos criativos para sua participação nas escolas e nos centros educativos. Além disso, comenta as preocupações e os riscos relativos ao cumprimento dos direitos à educação e à participação de crianças e adolescentes no contexto de distanciamento social e fechamento de escolas devido à pandemia COVID-19. Também compartilha reflexões sobre os desafios da migração na infância, bem como os relacionados à redução da maioridade penal em alguns países.

 

Ouça a entrevista na íntegra (em espanhol).


Foto: PxHere

“Faltam indicações específicas sobre como alcançar o direito humano à educação na primeira infância”

15 de maio de 2020

“O Direito à Educação e ao Cuidado na Primeira Infância na América Latina e no Caribe diante dos desafios sociais e ambientais no mundo” foi o título de um painel virtual realizado pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) em parceria com a Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (OMEP) e a Fundação Educação e Cooperação EDUCO, no âmbito da 64ª Conferência Anual da Sociedade para a Educação Comparativa e Internacional (CIES).

Com o objetivo de analisar a situação do direito à educação e ao cuidado na primeira infância na América Latina e no Caribe, o evento foi realizado o dia 25 de março, e contou com a participação de: Peter Moss, professor do Instituto de Educação da Universidade de Londres e especialista com reconhecida trajetória no campo da educação inicial; Mercedes Mayol Lassalle, presidente mundial da OMEP; Madeleine Zúñiga, coordenadora da Campanha Peruana pelo Direito à Educação (CPDE); Vernor Muñoz, diretor de Políticas e Incidência da Campanha Mundial pela Educação (CME); e Camilla Croso, coordenadora geral da CLADE, que moderou o diálogo. 

Leia abaixo as reflexões e abordagens que se destacaram no painel:

Outra política para o Cuidado e a Educação na Primeira Infância é possível

Segundo Peter Moss, a hegemonia global do neoliberalismo e o fato de a atenção, o cuidado e a educação na primeira infância (AEPI) terem se tornado uma prioridade política no âmbito mundial resultaram em que essa etapa de vida tem sido considerada como um meio eficiente de maximizar o “capital humano”.

“Isso pode se ver em particular em uma narrativa dominante que impulsionou a formulação de políticas de AEPI em âmbito nacional e mundial, a partir de uma narrativa que é instrumental e economicista na racionalidade e adota a atividade técnica como prioritária: é uma narrativa que se denominou a história da qualidade e dos altos rendimentos'”, enfatizou. “Assim, segundo esta história, a AEPI garantirá o sucesso individual e nacional em um mercado global cada vez mais competitivo, e todas as pessoas viveram felizes para sempre”, acrescentou.

“Precisamos ser capazes de entender e nos relacionar com as ideias transformadoras que surgem de outros campos, incluindo a economia, a democracia e o meio ambiente”

De acordo com o pesquisador, essa perspectiva instrumental e economicista está presente não só na educação e no cuidado na primeira infância, mas atravessa todo o campo educativo. “Também devemos levar em conta a existência de um modelo de desenvolvimento global que busca reduzir diversos fenômenos sociais e culturais, tais como a educação, a questões de eficiência mercantil e crescimento econômico”, afirmou.

Acrescentou que a construção de outra perspectiva de educação e cuidado na primeira infância, que não seja orientada pela busca por altos rendimentos, deve basear-se em decisões políticas democráticas para a educação, em conjunto com outras políticas. “O campo deve estar ligado a um processo mais amplo, envolvendo a educação como um todo e a construção do futuro sobre a democracia, a justiça social, a solidariedade e a sustentabilidade”, declarou.

Afirmou também que profissionais e pensadoras/es do campo da primeira infância devem ter a capacidade de entender e se relacionar com as idéias transformadoras que surgem de outros campos, além da educação, incluindo a economia, a democracia e o meio ambiente. “Enquanto isso, aqueles que trabalham nesses temas amplos devem estar conscientes das potenciais contribuições que o cuidado e a educação na primeira infância, e toda a educação, podem oferecer”.


Privilégio versus direito humano

“Apesar da poderosa definição de crianças como sujeitos de direitos consagrada pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança da ONU e de todas as valiosas diretrizes sobre o direito à educação, existe ainda uma falta de indicações específicas sobre como alcançar o direito humano à educação na primeira infância em nossa região”, afirmou Mercedes Mayol Lassalle, em sua apresentação.

“Apesar da expansão da matrícula, a desigualdade em matéria de acesso persiste, porque lares com alto nível socioeconômico estão 30 pontos percentuais acima dos valores de acesso das crianças de cinco anos de idade dos lares mais pobres”

Para a presidenta da OMEP, existem desafios importantes em relação à implementação efetiva de abordagens integrais e intersetoriais dos direitos das crianças na América Latina e no Caribe. A desigualdade no acesso à educação é outro desafio na região, que se confirma, por exemplo, com a enorme brecha entre o acesso de crianças com mais de três anos e o acesso de crianças desde o nascimento até os três anos, sendo que para essa última faixa etária a cobertura por parte do Estado é muito restrita, fazendo com que as famílias tenham de pagar por estes serviços.

“Apesar da expansão da matrícula, a desigualdade em matéria de acesso persiste, porque lares com alto nível socioeconômico estão 30 pontos percentuais acima dos valores de acesso das crianças de cinco anos de idade dos lares mais pobres”, afirmou.

Durante sua apresentação, Mercedes analisou as conclusões da pesquisa da CLADE “O direito à educação e ao cuidado na primeira infância: perspectivas da América Latina e do Caribe”

Outro aspecto importante que destacou é que a oferta de uma educação obrigatória e gratuita na primeira infância é ainda limitada na região. “Os acordos internacionais, particularmente a Agenda de Educação 2030, estabelecem a obrigatoriedade pelo menos no ano anterior à entrada no ensino fundamental e, em muitos países, essa foi ampliada para dois ou três anos antes da escola primária”, explicou Mercedes Lassalle.

E concluiu que, na região, infelizmente, “a AEPI é um privilégio para algumas crianças e não um direito humano para todas e todos, particularmente desde o nascimento até os três anos”.


Desafios do cuidado e da educação na primeira infância no Peru

Em sua apresentação, Madeleine Zúñiga traçou um percurso histórico sobre as políticas públicas para o cuidado e a educação na primeira infância no Peru, desde a experiência dos centros “Wawa Wasi” (Casa das Crianças, em quechua), ao longo dos últimos anos da década de 1960 na região Sul dos Andes peruanos, passando pela promulgação da Lei Geral de Educação Nº 19326, em 1972, até chegar aos desafios atuais.

“A diversidade não deveria ser o problema, mas é a fonte de grandes desigualdades sociais, que são o resultado da vergonhosa discriminação ainda enraizada em nossa sociedade”

Para a coordenadora da Campanha Peruana, o primeiro e talvez mais desafiador dos problemas atuais é a fragmentação da primeira infância por faixa etária, já que a responsabilidade de políticas destinadas à primeira infância está dividida em três Ministérios no país: Ministério do Desenvolvimento e da Inclusão Social (MIDIS), Ministério da Educação (MINEDU) e Ministério das Mulheres e da População Vulnerável (MIMPV), de acordo com as diferentes idades e demandas sociais das crianças no país.

A diversidade complexa da população em termos de níveis socioeconómicos, localização geográfica, diversidade cultural e etnolinguística, bem como a inclusão e a equidade, representa outro desafio permanente. “A diversidade não deveria ser o problema, mas é a fonte de grandes desigualdades sociais, que são o resultado da vergonhosa discriminação ainda enraizada em nossa sociedade. Desigualdades são fáceis de identificar no acesso a serviços e também na qualidade dos serviços e nos levam a afirmar que a educação continua sendo um privilégio mais que um direito humano universal”, afirmou.

A educadora e ativista também enfatizou a necessidade de melhorar a qualidade de todos os programas públicos de AEPI e Educação Inicial, bem como de assegurar dados e avaliação sobre a qualidade e a pertinência dessas políticas, juntamente com uma formação docente adequada e contextualizada para esta fase de vida.

“Para alcançarem um desempenho ótimo é fundamental a formação inicial de docentes sob uma abordagem de direitos. A primeira infância merece receber atenção de profissionais cujo desempenho esteja fundamentado nos ricos e significativos artigos da Convenção sobre os Direitos da Criança. (…) A formação oferecerá a docentes as competências para fazer da experiência escolar uma experiência de democracia, solidariedade e de aprendizagem para viver com a diversidade”, destacou.


Sistemas educativos que não correspondem às realidades

Ao final do evento, Vernor Muñoz dialogou com as observações e as análises das e dos painelistas. Segundo o diretor de Políticas e Incidência da CME, a visão utilitarista da educação na primeira infância e da educação de maneira geral tem sido amplamente criticada por diversos organismos e mecanismos de direitos humanos.

“Foi Katarina Tomasevski quem chamou a atenção, há quase 20 anos, sobre como alguns economistas definem a educação como se fosse uma produção do capital humano e classificam todas as dimensões dos direitos humanos como externalidades. Hoje, 20 anos depois, ainda vemos como o Banco Mundial e muitas agências de desenvolvimento ainda consideram as pessoas como capital humano em vez de sujeitos de direitos”, disse Muñoz.

O interesse superior da criança está bem definido nos instrumentos internacionais de direitos humanos, mas em matéria de aplicação prática, isso sempre se coloca abaixo da interpretação de quem tem o poder de decidir

Para o ativista e ex-relator especial sobre o direito à educação da ONU, a abordagem utilitarista e autoritária da educação também revela que os sistemas educativos atuais não correspondem às realidades das pessoas, mesmo no caso das poucas crianças pequenas que conseguem ingressar no sistema educativo. “O interesse superior das crianças está bem definido nos instrumentos internacionais de direitos humanos, mas em matéria de aplicação prática, isso sempre se coloca abaixo da interpretação de quem tem o poder de decidir. Então, de novo, sob uma visão restritiva e utilitária, o interesse superior da criança costuma ser visto como a capacidade potencial de as crianças se tornarem boas consumidoras”, concluiu.


O painel foi transmitido em inglês, mas está disponível com legendas em português e espanhol abaixo.


Acesse aqui o diálogo com legendas em créole haitiano


América Latina e Caribe se preparam para a IV Bienal sobre Infância e Juventude

19 de fevereiro de 2020

De 27 a 31 de julho de 2020, será realizada em Manizales, Colômbia, a IV Bienal Latino-Americana e Caribenha sobre Primeira Infância e Juventude, que terá como principais eixos temáticos as desigualdades, os desafios das pessoas em situação de deslocamento e as diversidades. O evento, organizado por Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), Fundação Centro Internacional de Educação e Desenvolvimento Humano (CINDE) e Universidade de Manizales, será um espaço de articulação entre academia, responsáveis pelas políticas públicas e organizações sociais da região. (mais…)


Foto: Marcia Kentalis

Peru: Lançam relatório nacional sobre a situação dos direitos de crianças e adolescentes

14 de fevereiro de 2020

As recomendações e opiniões de quase duas mil crianças e adolescentes do país foram consideradas no Relatório Nacional sobre a Situação dos Direitos de Crianças e Adolescentes (NNA), documento que foi apresentado pelo Coletivo Interinstitucional pelos Direitos das Crianças e Adolescentes, e pela Mesa de Concertação para a Luta Contra a Pobreza, no contexto da comemoração de 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
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O reconhecimento dos direitos da primeira infância vive uma disputa ideológica, metodológica e institucional

22 de novembro de 2019

Na última quarta-feira, 20 de novembro, celebramos os 30 anos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC). Adotado em 1989, esse tratado internacional reúne o maior número de ratificações do mundo – 196 estados membros da ONU – e foi o primeiro a reconhecer as crianças como sujeitos da lei, transformando as pessoas adultas em sujeitos de responsabilidade.
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Foto: Archivo CLADE

Congresso Pan-Americano analisa avanços e desafios para o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente

21 de novembro de 2019

A superação da discriminação e da violência, o direito ao brincar, à arte e à recreação, a igualdade de gênero e o direito à educação sexual integral e a participar do debate sobre políticas públicas que os afetam. Essas foram algumas das demandas compartilhadas por crianças e adolescentes durante o XXII Congresso Pan-Americano da Criança e do Adolescente e o III Fórum Pan-Americano da Criança e do Adolescente, realizados de 29 a 31 de outubro em Cartagena (Colômbia). (mais…)