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Future-se: Projeto para financiamento privado de universidades públicas é alvo de protestos no Brasil

13 de agosto de 2019

Por: Samuel Grillo e Fabíola Munhoz

Iniciativa do governo federal pretende abrir espaço para investimentos privados em universidades e para a participação de organizações sociais na gestão dessas instituições

Em debate realizado ontem, 12 de agosto, na Universidade Federal do ABC (UFABC), foi discutido o projeto do governo federal chamado Future-se. Proposto pelo Ministério da Educação (MEC), ele prevê a criação de um fundo de cerca de R$ 102 bilhões, a partir da atração de investimentos privados para instituições de ensino superior no país, o que diminuiria a participação e a responsabilidade do Estado em relação ao financiamento e à manutenção das universidades federais.

Recentemente, o governo de Jair Bolsonaro anunciou um corte de 30% nos repasses de recursos do Tesouro para universidades federais, e o novo plano de financiamento defendido por Abraham Weintraub, Ministro da Educação, permitiria que Organizações Sociais (OSs) compartilhem a gestão das universidades. O Future-se também tornaria possível a contratação de professores e professoras sem concurso público.

Durante o debate de ontem, Carolina Stuchi, professora de Políticas Públicas da UFABC, relacionou a atual crise das universidades públicas com a implementação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2016 e congela os gastos públicos em saúde, educação e assistência social por 20 anos, ou seja, até 2036. “O pacto constituinte foi subvertido, colocando o Estado social e a garantia de direitos, incluindo o direito à educação, como causadores da crise fiscal”, afirmou.

O deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Paulo Teixeira, pontuou que a atual crise de financiamento das universidades federais é reflexo de um sistema tributário injusto, e que é urgente implementar reformas fiscais progressivas no país. Afirmou também que o atual governo apresenta características preocupantes de autoritarismo, o que tem sido um obstáculo para decisões democráticas e a participação da sociedade civil. “É um regime que governa por decretos e medidas provisórias”, destacou.

Inseguridade jurídica e atentado à autonomia universitária

Por sua vez, Maria Paula Dallari Bucci, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, afirmou que o projeto “explora um sentimento que existe na sociedade civil, de que a universidade tem que ser modernizada e está distante do sistema produtivo”. Explicou que, embora o projeto manuseie termos como inovação, empreendedorismo e governança, não explicita de maneira clara o que será feito para, de fato, promover avanços nessas temáticas.

A professora ainda enfatizou que o projeto, caso seja aplicado, poderá promover grande confusão administrativa e financeira, bem como insegurança jurídica, além de atentar contra a autonomia e a independência das universidades, já que abre caminho para que essas sejam controladas externamente por auditorias privadas e permite a venda da marca e da imagem de tais instituições como valor de mercado. “O valor da universidade é público e resultado da produção coletiva de ideias. Como vão avaliar isso?”, indagou.

Lembrou ainda que o Future-se vem à tona em uma conjuntura de crescente desrespeito do governo às listas tríplices que recebe das universidades, para a eleição de reitoras e reitores desses centros educativos, enquanto também se cerceia o debate plural de ideias nas universidades com o projeto Escola sem Partido.

Ameaça ao PNE

Carlos Giannazi, deputado estadual pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de São Paulo, destacou o desmonte da rede de ensino pública brasileira e os vários cortes que a área tem sofrido nos últimos anos. Acrescentou que o Future-se faz parte do projeto do governo federal, de desvalorização e precarização da educação pública. “Esse projeto ataca a autonomia universitária, a carreira docente e o Plano Nacional de Educação (PNE). Uma das metas do Plano prevê a democratização e a universalização do acesso às universidades públicas, e já estava fragilizada desde a aprovação da EC 95. Agora, a meta pode ser ainda mais afetada por esse projeto, que incentiva a privatização”, concluiu.

Salomão Ximenes, advogado, professor adjunto do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro da diretoria da CLADE Brasil, afirmou que o “Future-se” é preocupante porque contém elementos de censura ideológica e não menciona a educação como um direito humano. Disse também que o projeto atenta contra o PNE e propõe uma visão reducionista e pouco qualificada de inovação. “Os elementos de financiamento que são colocados no projeto não respondem à necessidade de universalizar e democratizar a universidade”, acrescentou.

Voz de estudantes

Laura Passarella, vice-presidenta do Diretório Central de Estudantes da UFABC falou que a suposta autonomia financeira que seria garantida com o projeto Future-se, na verdade, levará à perda da autonomia das comunidades universitárias para gerir e decidir onde aplicar os próprios recursos, e que essa medida é parte de um projeto de sucateamento da educação pública, que inclui os cortes recentes de bolsas para pesquisas universitárias.

“É um ataque às universidades públicas, que nos últimos anos incluíram pessoas pobres, da periferia, negras, LGBTI e mulheres. Agora, essas pessoas têm a sua permanência na universidade ameaçada. O projeto propõe que as universidades terão autonomia para correr atrás de recursos próprios, fazendo com que tenham que concorrer entre si. O que dizer das universidades que estão no interior dos estados? Como elas vão concorrer com universidades que estão nas grandes metrópoles? É uma ameaça ao projeto de interiorização das universidades do país”, destacou.

Acrescentou que, ao contrário do que defende o projeto “Future-se”, é impossível quantificar o preço da universidade pública, já que ela é responsável por quase 95% das pesquisas do país, que se revertem em desenvolvimento socioeconômico. “Enquanto isso, o governo gasta recursos com a intervenção na Venezuela. Não financiar a universidade pública é uma decisão política”.

Tsunami da Educação

Entre as pautas de luta das comunidades educativas que hoje realizam protestos em todo o Brasil, está a oposição ao Future-se. As manifestações também são contrárias ao corte de recursos para a educação pública e à reforma da previdência.


Veja a seguir a gravação dos debates na UFABC: