Brasil: Governo tenta revogar mecanismo que estabelece financiamento mínimo necessário para garantir uma educação de qualidade
28 de março de 2019
Convocando uma reunião extraordinária e secreta do Conselho Nacional de Educação para a tarde da última terça-feira, 26 de março, o governo brasileiro tentou revogar o CAQ (Custo Aluno Qualidade) e o CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial), mecanismos do Plano Nacional de Educação que traduzem em valores o quanto o país deve investir por estudante ao ano, em cada etapa e modalidade do ensino público, para garantir uma educação de qualidade
O que são o CAQi e o CAQ?
O CAQi é um mecanismo de financiamento educacional criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que é membro da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE). O CAQi começou a ser desenvolvido em 2002, em parceria e diálogo com pesquisadoras e pesquisadores, economistas, parlamentares, estudantes e docentes, entre outros atores. Esse mecanismo traduz em valores o montante que o país deve investir por estudante ao ano, em cada etapa e modalidade do ensino público, para garantir um parâmetro mínimo de qualidade da educação.
O CAQ, por sua vez, tem sido discutido e calculado mais recentemente, e representa o esforço que o Brasil deve fazer para alcançar os países desenvolvidos em relação à educação [saiba mais sobre o CAQ-CAQi].
Em 2014, a Campanha Nacional conseguiu incluir os conceitos do CAQi e do CAQ no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. De acordo com o Plano, o CAQi deveria ter sido implementado até julho de 2016, quando, além disso, o conteúdo do CAQ deveria ter sido definido, mas essas metas não foram alcançadas.
Em uma tentativa de debater e aprovar a revogação do mecanismo, o governo convocou o Conselho Nacional de Educação (CNE) para uma reunião extraordinária e secreta sem a participação da sociedade civil, para 26 de março. Quando soube que o encontro estava sendo organizado, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com base na Lei de Acesso à Informação, solicitou mais informações sobre a reunião ao Conselho Nacional de Educação, mas não teve resposta. Em seguida, acionou o Ministério Público Federal e conseguiu que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (MPF/PFDC) determinasse ao CNE a obrigação de, no prazo de 24 horas, publicar informações sobre a reunião e a pauta que seria discutida, para que a sociedade pudesse participar das deliberações sobre o mecanismo CAQi/CAQ.
Após a determinação do Ministério e a divulgação das intenções do governo por meios de comunicações de alcance nacional, que foram informados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação sobre o que estava acontecendo, o CNE divulgou mais detalhes sobre a reunião e informou que o debate estaria aberto à participação da sociedade civil. “O Conselho Nacional de Educação não está agindo com transparência e com base nos princípios do debate democrático, ao convocar uma reunião sem aviso ou debate prévios e a portas fechadas, com o objetivo de desconstruir o CAQi/CAQ. Trata-se de uma ação coordenada com o Ministério da Educação e o Ministério da Economia, que tem como objetivo o desmantelamento da educação brasileira, uma vez que toca sua política mais estruturante”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional.
De acordo com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Custo Aluno Qualidade Inicial não é apenas uma ferramenta de financiamento, mas também uma ferramenta de controle social. Pois, permite aos pais e às mães controlar a qualidade educacional a partir das condições da oferta, que incluem: o número adequado de estudantes por sala de aula; salários, remuneração e plano de carreira para docentes, compatíveis com as responsabilidades da profissão; instalações e infra-estrutura escolar adequadas, tais como: bibliotecas, laboratórios de ciência e informática, acesso à internet, quadras poliesportivas cobertas, água potável, eletricidade e saneamento básico. “O CAQi abrange as condições e os insumos materiais e humanos mínimos necessários para que as professoras e os professores possam ensinar e para que estudantes possam aprender com qualidade”, disse o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
Em carta pública, a Campanha afirmou que as conselheiras e os conselheiros do CNE não podem retroceder no caminho da consagração do direito à educação, deixando de lado o CAQi e o CAQ, porque esses mecanismos de financiamento são fundamentais para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. “Não podem fazer isso em subordinação ao projeto econômico do governo de Jair Messias Bolsonaro, liderado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes. Nem podem se submeter, pacificamente, à confusa gestão de Ricardo Vélez Rodríguez no Ministério da Educação. A missão das conselheiras e dos conselheiros deve ser a defesa dos direitos educacionais”, afirma a carta.
Na reunião do CNE de 26 de março, foi aprovada uma modificação no parecer de número 8/2010 do Conselho, que regulamenta o CAQi como uma estratégia de política pública para a educação brasileira, no sentido de superar as desigualdades históricas na oferta de educação no país. A modificação mantém a menção ao CAQi no parecer, mas elimina a definição de um valor mínimo de recursos que deve ser investido por estudante da educação básica ao ano, com base no Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
“Devido a nossa ação de incidência, essa mudança no parecer não desconstrói completamente o conceito do CAQi, e o presidente do CNE se comprometeu a estabelecer uma agenda de debates sobre esse mecanismo de financiamento no Conselho. No entanto, é uma decisão absurda que se dá por pressão do setor econômico do governo, e sem respeitar a obrigação constitucional do Estado de distribuir recursos aos estados e municípios para garantir o direito à educação pública de qualidade para crianças, adolescentes, jovens e pessoas adultas e idosas do país”, diz Daniel Cara.
Do Brasil para outros países da América Latina e do Caribe
O mecanismo CAQ/CAQi também é relevante para a América Latina e o Caribe. Por ter sido concebido e elaborado em aliança e diálogo com pesquisadoras e pesquisadores, economistas, parlamentares, estudantes e docentes, entre outros atores, representa um importante precedente para outros países da região, no sentido de que possam pensar seu financiamento educacional a partir do estabelecimento de parâmetros mínimos de qualidade e do debate democrático com a sociedade e as comunidades educativas.
Ao longo da história do CAQi e por meio da CLADE, foi feito um esforço de cooperação entre o Brasil e outros países da América Latina e do Caribe, para que outras organizações e coalizões da sociedade civil se apropriem desse mecanismo de financiamento, aprofundando seus estudos em financiamento educacional relacionado à qualidade. Essa cooperação regional é citada em uma publicação da Campanha Nacional, que retoma o histórico do desenvolvimento do CAQi.
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