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Peru: Política de Igualdade de Gênero é aprovada, e a Suprema Corte decide a favor de currículo escolar com perspectiva de gênero

9 de abril de 2019

Na última semana, ocorreram conquistas importantes para a educação com igualdade de gênero no Peru. Por um lado, o governo do país publicou o Decreto Supremo N ° 008-2019, que aprova a Política Nacional de Igualdade de Gênero. Por outro, a Suprema Corte do Peru declarou, em última instância, que uma ação popular movida por grupos conservadores, contra a abordagem de gênero no currículo nacional de educação básica, é “infundada em todos os seus extremos”.

Desde a aprovação do Currículo Nacional para a Educação Básica (CNEB), em junho de 2016, o Ministério da Educação do Peru vinha sendo questionado por grupos conservadores que exigiam a abolição do currículo e o fim de sua implementação. Em 16 de fevereiro de 2017, um desses grupos apresentou ao Poder Judiciário uma demanda de ação popular constitucional, que visava a interromper a implementação do CNEB e eliminar a palavra “gênero” do currículo. Mais de dois anos depois, a Suprema Corte finalmente decidiu que essa ação popular é infundada e que o novo currículo deve ser implementado.


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“É uma medida extremamente importante, primeiro porque nos devolve a segurança jurídica que os grupos de oposição haviam questionado. A mensagem do Tribunal é extremamente positiva. Resta ao Ministério da Educação superar os atrasos nos compromissos relacionados à publicação de livros, e também devolver aos professores a certeza de que a abordagem de gênero na educação não se discute”, diz Susana Chávez, diretora da Promsex, ONG feminista dedicada à defesa dos direitos sexuais e reprodutivos no Peru.

Por sua vez, Liliam Hidalgo Collazos, presidenta da Tarea – Associação de Publicações Educacionais – e integrante do coletivo Educação e Igualdade do Peru, acredita que a decisão da Corte reafirma o Ministério da Educação como responsável por dirigir as políticas públicas educacionais. Para ela, a decisão também abre a possibilidade de trabalhar, com o apoio da lei, a abordagem de gênero de forma transversal em todo o sistema educacional. “Isto é, na formação de professoras e professores, nos materiais, na gestão escolar, nos regulamentos, etc. Mas, acima de tudo, permitirá experiências educativas em que as oportunidades sejam iguais para homens e mulheres, em condições para que meninas e mulheres possam exercer seus direitos quando há uma situação de desigualdade, e com respeito às pessoas independentemente de sua origem, língua, gênero ou orientação sexual”, acrescentou.

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Ricardo Cuenca, pesquisador do Instituto de Estudos Peruanos (IEP), considera que a decisão da Corte coloca o país no caminho certo para alcançar uma sociedade melhor, na qual o direito à educação de todas as pessoas seja garantido, sem discriminação. “Nenhum interesse particular pode estar acima dos interesses públicos e coletivos. Com essa decisão, o poder judicial confirma que quem decide o que é ensinado nas escolas não são grupos particulares, mas sim o Estado, buscando o maior bem-estar possível para todos no país, e o desenvolvimento de uma educação baseada em direitos, com qualidade e justiça social”, afirma.

Nova Política Nacional sobre Igualdade de Gênero

De acordo com o decreto publicado na semana passada, esta política nacional multissetorial visa a enfrentar tanto os fatores causais, quanto os efeitos da discriminação estrutural contra as mulheres. Sua implementação, seu acompanhamento e sua avaliação estão sob responsabilidade do Ministério da Mulher e das Populações Vulneráveis, com aplicação imediata para todas as entidades da administração pública.

Seus seis objetivos prioritários são: reduzir a violência contra as mulheres; garantir o exercício dos direitos das mulheres à saúde sexual e reprodutiva; garantir o acesso e a participação das mulheres nos espaços de decisão; garantir o exercício dos direitos econômicos e sociais das mulheres; reduzir as barreiras institucionais que impedem a igualdade nas esferas pública e privada entre homens e mulheres; e reduzir a incidência de padrões socioculturais discriminatórios na população.

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No que diz respeito à educação, a política estabelece: a promoção da convivência escolar democrática e a prevenção da violência contra meninas, meninos e adolescentes em instituições educacionais; orientações e informações sobre educação sexual integral (ESI), com pertinência cultural, destinadas a crianças, adolescentes, mães pais, responsáveis, cuidadoras e cuidadores, bem como formação em EIS para estudantes da educação básica.

A política tem também por objetivos: a formação de mulheres em carreiras tradicionalmente masculinizadas e/ou melhor remuneradas, com enfoque de gênero, estimulando o acesso, a permanência e a certificação; e o desenvolvimento de programas para a igualdade de gênero na educação básica, de maneira adaptável e com uma abordagem intercultural, bem como programas de educação inicial e continuada para professores com enfoque em igualdade de gênero.

“Essa conquista cria possibilidades para continuarmos fortalecendo as políticas públicas. Também explicita a profunda fraqueza daqueles que se opõem, pois os argumentos para rejeitar a abordagem de gênero na educação são extremamente fracos, muitos deles baseados na pseudociência, descuidando da interpretação dos dados, negando aqueles que têm implicações sérias em questões de violência, feminicídio, violações sexuais e assédio no local de trabalho “, diz Susana.

Já Liliam enfatiza que essa política é um precedente importante e deve gerar o empoderamento de meninas, adolescentes e mulheres que, ao participarem de experiências educacionais de respeito, valorização e geração de pensamento crítico, poderão exercer sua cidadania de maneira plena.

“Gostaria de enfatizar a relação da abordagem de gênero com a formação do pensamento crítico, uma vez que envolve um exercício constante de questionamento sobre o que é dado. Outra implicação é a possibilidade de articulação intersetorial com as políticas de outros setores, especialmente as que defendem as mulheres, para que essa abordagem integral permita que a saúde, a justiça e a educação intervenham na efetiva erradicação dos padrões sociais que permitiram essas desigualdades até hoje, e cujas raízes são multissetoriais”, afirma a presidenta da Tarea.

Segundo Ricardo Cuenca, a política abre a possibilidade de que, assim como a educação, outros setores sociais possam enfocar a questão de gênero em suas ações, como saúde, justiça, proteção social e setores produtivos, como agricultura, pesca, transporte, etc. “Embora as leis não modifiquem, pelo menos a curto prazo, os problemas estruturais, é fundamental ter um marco legal que facilite essas mudanças. Às normas é preciso somar muito exercício de cidadania, participação de diversos atores, campanhas de comunicação de curto prazo, políticas públicas e programas de médio prazo”, acrescentou.

Desafios para a realização dessas políticas

“O desafio é muito grande, pois os países da nossa região, e o Peru não é exceção, são valorizados por terem normas avançadas, que não necessariamente são cumpridas. O processo de aplicação é lento e exigirá muitos esforços. Uma das principais dificuldades é o investimento para que os funcionários erradiquem a violência institucional e estabeleçam processos de transparência e padrões de qualidade.

Há interferências políticas que negam os processos de qualificação de diretores educacionais, por exemplo, ameaçando – por meio de uma lei no Congresso – restabelecer diretores que foram desqualificados por falta de competência. Esse avanço de um lado não garante a interrupção de ameaças que podem aparecer de maneiras diferentes. Aí é que temos que nos esforçar como sociedade civil para que a vigilância não diminua.

Esses dois anos de intensa luta têm sido processos de aprendizado muito ricos para as organizações da sociedade civil, que têm trabalhado próximas ao setor educacional. No entanto, ainda temos mães e pais que desconfiam do processo educacional com perspectiva de gênero, e é algo que precisa ser conquistado com base na melhoria da qualidade das escolas que esperamos”. (Susana Chávez, da Promsex)

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“Para implementar a abordagem de gênero no currículo, o desafio é passar de um discurso politicamente correto para uma prática efetiva em todos os espaços educacionais. Em outras palavras, tomar as decisões necessárias para que as mudanças ocorram efetivamente nas salas de aula. Para isso, é necessário mover várias esferas do sistema. Em princípio, a formação docente, tanto a formação inicial como a continuada. Também é necessário rever os materiais que estamos produzindo, revisar os regulamentos e fazer mudanças na gestão escolar. Acima de tudo, a intenção é transformar as relações que existem entre pessoas, funcionárias e funcionários, em todos os níveis, gerentes, professoras/es, famílias e estudantes.

Isso acontecerá se as políticas internas forem geradas e modificadas. Por exemplo, existe a necessidade de criar a política para o desenvolvimento de materiais educacionais no país. Há necessidade de mudar as políticas de formação docente, para que a abordagem de gênero esteja completamente presente. Também é necessário alocar orçamento suficiente”. (Liliam Hidalgo, da Tarefa)

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“Uma mudança desta magnitude não é possível sem trabalhar com docentes, sem ter um diagnóstico claro sobre o que pensam e sentem sobre a igualdade de gênero. Isso é essencial para que seja possível um programa específico, que busque gerar em docentes um compromisso com o tema e o desenvolvimento de pedagogias que permitam o enfoque de gênero nas salas de aula. Também considero essencial trabalhar com mães e pais para que desenvolvam ideias mais claras sobre a abordagem de gênero. Isso deve minimizar os medos de pais e mães, apresentando a questão de gênero numa perspectiva de cidadania e exercício de direitos”. (Ricardo Cuenca, do IEP)

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