CLADEM: “A educação integral em sexualidade traz muitos benefícios para a sociedade”

9 de março de 2019

Julia Escalante de Haro, do CLADEM, destaca a importância de uma educação baseada na luta contra a discriminação

Em diálogo com a Associação Latino-Americana de Educação e Comunicação Popular (ALER) e com a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), Julia Escalante de Haro, coordenadora geral do Comitê para a América Latina e o Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM), fala sobre questões relevantes que norteiam as mobilizações e lutas do Dia Internacional da Mulher em 2019, como a violência de gênero e a autodeterminação reprodutiva, e sua relação com o direito à educação.

Leia a entrevista completa:

Como está a situação na América Latina e no Caribe em relação à igualdade e à equidade de gênero?

Estamos em uma situação de dívida pendente com os direitos das mulheres. Embora na maioria dos países da nossa região tenhamos feito progressos interessantes na criação de leis e políticas públicas, isso ainda não se traduziu em realidade para as mulheres. Ou seja, temos muitas conquistas apenas em letras, não na vida cotidiana.

Entre as principais dívidas, está o direito a uma vida sem violência, porque, embora tenhamos leis muito boas, ainda não conseguimos erradicar a violência. Pelo contrário, estamos experimentando um aumento da violência. Outra questão é a autodeterminação reprodutiva, com essa “onda verde” que veio da Argentina e passou por toda a região em defesa do aborto legal, seguro e gratuito. Conseguimos algumas conquistas, como na Cidade do México, mas o tema ainda é uma grande dívida. Um exemplo é o caso da menina argentina que, aos 11 anos, foi violada e teve seu direito ao aborto negado. A menina foi submetida a uma cesariana de emergência.

Finalmente, há também a questão da participação política. Alcançamos conquistas em termos de representatividade, mas continuamos sendo tratadas marginalmente, com o chamado teto de vidro, não temos permissão para ocupar as posições de tomada de decisão e com mais autoridade em nossos governos. Nos contextos macro e micro, isso tem a ver com o não reconhecimento do trabalho remunerado e não remunerado de cuidado doméstico pelos Estados.

Um tema que está na agenda pública é a chamada “ideologia de gênero”. Qual é a sua opinião sobre esse debate?

A “ideologia de gênero” está intimamente ligada aos poderes de diferentes países, intimamente ligada aos negócios e ao poder econômico. Também conseguiu se articular com certos níveis de política pública, bem como influenciar o imaginário coletivo. Suas mensagens tiveram um resultado muito grande na região, mas sou otimista.

Acredito que esse avanço conservador que vemos como algo tão esmagador pode não ser assim, porque na verdade ele responde à multiplicação da mesma estratégia, pelas mesmas pessoas e nos mesmos espaços. Talvez sejam poucas vozes, mas elas são colocadas estrategicamente em alguns lugares e, portanto, dão a ideia de que têm uma alta ressonância. Esse avanço dos grupos anti-direitos é uma resposta às conquistas que alcançamos como movimentos progressistas de direitos humanos. Ou seja, eles se sentiram ameaçados em seus interesses e é por isso que lançaram essas campanhas regressivas sob o argumento da “ideologia de gênero”.

No entanto, acredito que os setores progressistas, incluindo as feministas, são muito criativos e abertos a discutir com esses grupos, mostrando sempre os benefícios e as conquistas alcançadas com essa luta pelo reconhecimento de direitos. Acho que estamos fazendo o que temos que fazer: em alguns casos, enfrentando; em outros, evitando o confronto. Nos casos de políticas públicas, lutando.

Por que é importante abordar questões de gênero e sexualidade na educação?

Está amplamente documentado que a incorporação de uma educação sexual integral traz muitos benefícios para a sociedade em geral. A questão é que nossos governos não lhe dão o peso necessário, o que é resultado de uma concepção social conservadora e medrosa que limita sua implementação. No entanto, há países onde os currículos que integram esse tipo de conteúdo foram aprovados, por exemplo, no caso do México. Aqui, há vários anos, temos lutado para incorporar a educação integral em sexualidade nos livros didáticos, e tivemos algumas conquistas.

A educação integral em sexualidade tem impactos positivos na vida das pessoas que vão além de sua sexualidade. É um fator de proteção para as crianças contra o abuso sexual infantil, que é um dos problemas mais visíveis e dolorosos da região. Ao contrário do que dizem os grupos anti-direitos, é uma ferramenta para proteger crianças e adolescentes do abuso e da violência. Outro impacto positivo é a prevenção da gravidez na adolescência, pois se tem demonstrado que uma boa orientação e um bom acesso aos serviços de saúde e informação podem retardar o início da vida sexual e facilitar uma vida sexual plena, satisfatória e livre de riscos.

Por isso, lutamos para que os Estados incluam essas questões nos currículos, especialmente na educação pública. Estamos convencidos de que esse é um benefício social muito importante.

Ouça a entrevista completa com Julia Escalante de Haro (em espanhol).