COVID-19: “Em vários países, as situações de violência contra as mulheres aumentaram”
17 de abril de 2020
Por: Fabíola Munhoz
Violência, educação, políticas públicas e gênero são alguns dos temas que Monica Novillo, coordenadora da REPEM, abordou nesta entrevista
En el contexto de la pandemia COVID-19, la CLADE entrevistó a Mónica Novillo, coordinadora de la Red de Educación Popular entre Mujeres de América Latina y el Caribe (REPEM), para conversar sobre cómo los impactos del aislamiento y de la crisis de salud y económica pueden afectar la educación y la población más vulnerable, como las niñas y las adolescentes.
No contexto da pandemia COVID-19, a CLADE entrevistou Monica Novillo, coordenadora da Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e o Caribe (REPEM) para conversar sobre como os impactos do isolamento e da crise de saúde e na econômica podem afetar a educação e a população mais vulnerável, como as meninas e as adolescentes.
Segundo a coordenadora da REPEM, esta crise sanitária revela uma série de desigualdades nas nossas sociedades. “Particularmente na questão do direito à educação, vários países tomaram medidas suspendendo as aulas, fechando as escolas, que tem uma relação com o direito e acesso à educação das crianças”.
Outro tema importante assinalado é o aumento da violência. “Devemos reconhecer que a problemática da violência é estrutural e faz referência a muitos fatores, mas que fundamentalmente em um momento em que existe ansiedade, estão se produzindo demissões em massa, pessoas que estão com preocupações também econômicas e a possibilidade de contar com os rendimentos necessários para a subsistência da família, etc. Estão gerando condições para exacerbar a violência que existe em nossos contextos”, afirmou.
Leia a entrevista na íntegra:
Quais são os impactos da atual pandemia para as meninas e mulheres, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos, como educação, saúde, trabalho, proteção social, etc.?
Mónica Novillo – Há um impacto diferente em termos de gênero sobre o que vai produzir e o que está já produzindo o Coronavírus, não somente em termos de saúde, também nos efeitos das medidas que foram tomadas, nas condições em que vivem as mulheres e as meninas.
Um primeiro impacto tem a ver com, em um âmbito de confinamento, que é uma das medidas que foi priorizada em todos os países – a quarentena, a proibição de circular, a restrição sob a ordem de ficar em casa -o que faz é aumentar o risco das meninas e das mulheres, e também dos meninos, de sofrerem várias formas de violência que ocorrem no cotidiano, em situações que poderíamos chamar entre aspas “normais” e que acontecem cotidianamente, como a violência doméstica e a violência sexual.
Estamos vendo que em vários países os níveis de denúncia de situações de violência contra as mulheres aumentaram, e o próprio secretário-geral das Nações Unidas já alertou para a importância de atender às situações de violência vividas por mulheres e meninas no âmbito global. Ele pediu um cessar fogo de todos os conflitos armados em todos os países, mas chamou particularmente a atenção para a violência contra as mulheres como um elemento que tem que ser levado em conta.
“Particularmente em relação ao direito à educação, vários países tomaram medidas suspendendo as aulas, fechando as escolas, o que tem uma relação com o direito e acesso à educação das crianças”
Um segundo elemento tem a ver com o fato de alguns dos nossos países terem uma elevada porcentagem de pessoas cuja renda depende do trabalho diário na rua. Estamos falando do trabalho informal, que é a forma como a maioria das pessoas está efetivamente gerando renda. Está sendo um soco muito forte nas economias familiares, e é por isso que também os governos e as medidas que foram decididas, incluindo a tentativa de resolver as necessidades imediatas das populações. A capacidade de gerar renda está diminuindo, o que terá, a longo prazo, alguns impactos, como, por exemplo, a perda em massa de postos de trabalho e o golpe para as pequenas e médias empresas. [Os impactos serão grandes] particularmente para as mulheres – porque elas são em alguns países até 70% da força de trabalho no setor informal, de menor produtividade, e é aí que está acontecendo o maior impacto.
Esta crise sanitária, mesmo que seja uma crise de saúde, o que faz é revelar uma série de desigualdades em nossas sociedades.
Particularmente em relação ao direito à educação, vários países tomaram medidas suspendendo as aulas, fechando as escolas, o que tem uma relação com o direito e acesso à educação das crianças, obviamente de adolescentes também.
Neste contexto, o que está acontecendo é que há grupos, setores da população que têm a possibilidade de continuar as aulas à distância, no entanto existem outros setores que não têm acesso nem à internet – porque tem um custo, e mais da metade da população da nossa região não tem acesso – mas também não tem insumos, como o computador, um tablet, etc., para continuar as aulas on-line. Estes são obstáculos que claramente enfatizam uma diferença que existe no acesso e de condições para enfrentar essas medidas que estão sendo decididas para mitigar os efeitos da pandemia na população.
“No contexto dos direitos à saúde e dos direitos reprodutivos, negligenciou-se a atenção às mulheres gestantes. Mas, particularmente deve-se assegurar também a prestação de serviços para contracepção, acesso a medicamentos e métodos contraceptivos para meninas e adolescentes no contexto do coronavírus”
A longo prazo, haverá também impactos. Se as previsões forem cumpridas, no sentido de que haverá um golpe muito forte na economia dos países, o número de pessoas em situação de extrema pobreza no nosso continente aumentará. Se essa previsão for cumprida, teremos um impacto directo no direito das crianças à educação. Um primeiro efeito será justamente que as meninas poderão ser forçadas a abandonar a escola para ter que se dedicar aos cuidados dos seus irmãos mais novos, para que as mães e os pais possam sair para trabalhar e procurar alternativas económicas para subsistir.
Um outro efeito poderia ser, com certeza, a restrição do direito das meninas à educação, porque elas também estariam expostas a uniões precoces, como já acontece nas nossas sociedades. Então, o que faz a crise é aprofundar algumas brechas e alguns efeitos na vida das meninas e mulheres, aos quais temos que estar atentos.
Se a crise económica for tão forte, isso também terá implicações em outras formas de violência, como o tráfico de drogas e o tráfico humano. As meninas, em particular, estão mais expostas a estas formas de violência contra as mulheres.
Outro elemento que nos chama muito a atenção é que, nesta situação de saúde, No contexto dos direitos à saúde e dos direitos reprodutivos, negligenciou-se a atenção às mulheres gestantes. Mas, particularmente deve-se assegurar também a prestação de serviços para contracepção, acesso a medicamentos e métodos contraceptivos para meninas e adolescentes no contexto do coronavírus. Isso é fundamental.
Temos também que considerar a possibilidade de, no futuro, aumentarem os índices de emprego infantil, particularmente para meninas, que desempenham tarefas, por exemplo, no âmbito gastronômico, apoiando em tarefas de assistência, etc. Temos que dar especial atenção a estes temas que podem ter um impacto na vida das meninas e das mulheres.
Permanece como um elemento central, no âmbito do coronavírus e da crise sanitária, que os Estados devem projetar a futuro políticas para fortalecer os sistemas de proteção social, e isso significa também distribuir e discutir, refletir sobre as tarefas do cuidado. O cuidado foi colocado no centro da crise sanitária porque estamos falando de quem exige cuidados. Por isso, é tão importante, e as mulheres têm sido tradicionalmente as responsáveis pelo cuidado em nossas sociedades. Então, temos que ver como nesta crise, que está colocando a questão dos cuidados no centro, propomos uma redistribuição, para que os desafios não estejam sobre os ombros das mulheres.
Como os movimentos feministas estão se organizando para contribuir com a superação desta crise, numa perspectiva de igualdade de género?
Mónica Novillo – Diante da debilidade dos sistemas de saúde para responder [à crise], também está sendo evidenciada a debilidade para responder aos efeitos negativos do coronavírus na vida das mulheres.
Uma das primeiras respostas foi justamente das organizações e coletivos feministas, as instituições que têm trabalho em temas de violência, seja para visibilizar, para se organizar ou para divulgar o risco que existe de que as mulheres sofram situações de violência. Mas, também para divulgar os telefones oficiais da polícia, os serviços de atendimento. Foram também organizados serviços de assistência psicológica, acompanhamento de mulheres na crise do COVID-19, não só em temas de violência, mas, por exemplo, em casos de gravidez não desejadas, habilitando serviços de escuta para mulheres com ansiedade.
Há uma série de serviços que, perante a ausência do Estado e neste novo contexto, as organizações de mulheres estão saindo a responder.
“Através das redes virtuais, estão sendo compartilhadas informações úteis para passar a quarentena e, sobretudo, informações de prevenção e para mitigar o impacto negativo da quarentena e do confinamento na vida e na subsistência das famílias”
Também algumas organizações de mulheres têm iniciado ações solidárias com famílias que vivem dificuldades para conseguir sobreviver e subsistir nesta quarentena. Foi organizada a distribuição de cestas básicas para mulheres trans, trabalhadoras sexuais, mulheres que são mães solo, chefes de família monoparentais, que têm muitos filhos, etc. Existe uma solidariedade feminista que está acontecendo.
É muito interessante como, de forma criativa, as redes sociais estão sendo usadas. Através das redes virtuais, é dividida informação útil para passar a quarentena e, sobretudo, informações de prevenção e para mitigar o impacto negativo da quarentena e do confinamento na vida e na subsistência das famílias. Também está sendo discutida a distribuição das tarefas e o cuidado ao interior da família.
Quais medidas são exigidas dos Estados e da comunidade internacional para proteger e garantir os direitos das meninas e mulheres no atual contexto, no âmbito educativo e para além dele?
Mónica Novillo – Em primeiro lugar, estamos pedindo aos nossos Estados que se concentrem nas políticas e nas medidas tentando fazer com que setores mais vulneráveis, entre eles as mulheres e meninas, consigam ter a possibilidade de denunciar de forma eficaz e receber atendimento em casos de violência.
Os recursos disponíveis para o tratamento de casos e situações de violência intrafamiliar e sexual, entre outros, foram reduzidos. A polícia está fortemente concentrada em vigiar o cumprimento das medidas de restrição, para que não andem pela rua, não circulem etc. Isso é importante, mas não se pode deixar sem atendimento estas situações de violência, porque são fundamentais.
“As mulheres ocupam 70% da força de trabalho em saúde. Isso significa que há uma maior exposição das mulheres por esta relação que existe de seu trabalho fora de casa como uma extensão do mandato social, de cuidar do resto da população”
O pessoal médico se concentrou fortemente na atenção ao coronavírus e deixou desprotegidas as mulheres que estão em gestação, que chegam a trabalho de parto e também os recém-nascidos.
Assim, é fundamental assegurar que o pessoal que trata dos casos de violência contra as mulheres e as meninas, a polícia, outras instâncias e também o pessoal de saúde, disponham dos insumos de biossegurança necessários para atender adequadamente as mulheres que necessitem, ou demandem de serviços de atenção.
As mulheres ocupam 70% da força de trabalho em saúde. Isso significa que há uma maior exposição das mulheres por esta relação que existe de seu trabalho fora de casa como uma extensão do mandato social, de cuidar do resto da população. Estão, então, no pessoal de saúde e mais expostas a possível contágio do coronavírus.
Outro elemento que não podemos deixar de lado é que os Estados devem elaborar estratégias à atenção imediata neste momento da crise, mas posteriormente devem tomar medidas para assegurar políticas públicas focadas em mulheres e meninas, para prevenir os impactos que descrevi, como por exemplo: que as meninas sejam de alguma forma forçadas, pelo empobrecimento, a deixar a escola para cumprir outras tarefas de cuidado, trabalho doméstico, ou trabalho fora das casas, etc. Estas são coisas que geralmente acontecem e já aconteceram em outros momentos da história quando se produz uma crise econômica.
“Como nunca, estamos vendo que a educação, a saúde, o emprego devem ser prioridades para eliminar as desigualdades que caracterizam a América Latina”
Da comunidade internacional, há que exigir um maior compromisso para sustentar estes processos. Ou seja, esta comunidade deve se comprometer para que os países em desenvolvimento disponham também dos recursos de cooperação, ou de ajuda oficial ao desenvolvimento, de forma que consigam promover medidas de protecção que no futuro possam prevenir outros tipos de crise, como a que a gente está vivendo.
A comunidade internacional tem um papel fundamental para continuar apoiando as prioridades. Isso significa criar políticas públicas de protecção social para não exacerbar e não aprofundar as desigualdades que estamos assistindo a partir da crise.
Como nunca, estamos vendo que a educação, a saúde, o emprego devem ser prioridades para eliminar as desigualdades que caracterizam a América Latina.
Como nunca, estamos viendo que la educación, la salud, el empleo deben ser prioridades para eliminar las desigualdades que caracterizan a América Latina.
O contexto de pandemia agrava os riscos de discriminação e violência contra mulheres e meninas? Por que isso acontece e como lidar com a situação?
Mónica Novillo – Temos de reconhecer que a problemática da violência é estrutural e faz referência a muitos fatores. Mas, fundamentalmente, em um momento em que existe ansiedade, estão acontecendo demissões em massa, as pessoas estão com preocupações econômicas e com a possibilidade de contar com as rendas necessárias para a subsistência da família. Estão sendo criadas condições para que a violência, que já existe em nossos contextos, independentemente do coronavírus, seja exacerbada. Como responder a isso é a grande demanda.
Devemos lembrar que a violência contra as mulheres, a violência intra-familiar acontece no âmbito da família, nos lares. Muitas vezes, são os lares os lugares mais inseguros para as mulheres e as meninas.
“Existe uma enorme porcentagem de violência sexual que sofrem as meninas e as adolescentes, e que é perpetrada também por um integrante da família. Em circunstâncias de confinamento, estas situações de violência podem ser agravadas”
Em alguns países, a violência contra as mulheres é um dos crimes mais denunciados e ocorre sempre por uma pessoa com quem a mulher teve uma relação íntima. Na maior parte dos casos, ocorre com quem a mulher teve filhos, ou com quem está vivendo. Em condições especiais e peculiares, como as que estamos vivendo, as mulheres devem permanecer mais tempo no interior do lar, e as situações são complexas, gerando condições para que ocorra a violência contra as mulheres. Em outras situações [estas violências] também acontecem, por isso falo que é uma problemática estrutural e tem que ser atendida de maneira integral
Existe também uma grande porcentagem de violência sexual que sofrem as menina e adolescentes, que é perpetrada também por um membro da família. Em circunstâncias de confinamento, estas situações de violência podem ser agravadas, perante o coronavírus. Temos que exigir maior atenção a esta problemática.
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