Como devem ser a educação e o cuidado na primeira infância pós-COVID-19?
10 de junho de 2020
Por: Thais Iervolino
Especialistas e autoridades analisaram os impactos da pandemia em crianças e defenderam que o direito à educação seja garantido com políticas públicas que adotem um olhar pedagógico humanizado, que valorize a participação e a cultura
“Ainda que a doença causada pelo COVID-19 não afete as crianças da mesma forma que está afetando as pessoas de outras idades, seus efeitos colaterais para a infância são os mais graves”, afirmou Luis Ernesto Pedernera, presidente do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU (CDC), durante o diálogo virtual “A educação e o cuidado na primeira infancia na América Latina e Caribe frente a tempos de pandemia”, realizado no dia 28 de maio pela CLADE, em parceria con a OMEP América Latina e a EDUCO.
Destacando os impactos da pandemia para a saúde mental e física das crianças, Luis Pedernera defendeu a construção de uma nova realidade para a educação e o cuidado na primeira infância. “Não concordo que tenhamos que voltar a uma nova normalidade. É preciso construir uma nova realidade. Esse é o momento para construir uma nova realidade em termos de relações humanas e de relações pedagógicas”, disse.
Para o presidente do CDC, nesse contexto as famílias não deveriam ser deixadas sem apoio frente a um panorama de incerteza. “Temos visto que as famílias estão enfrentando a pandemia e devem receber um acompanhamento psicossocial e pedagógico para que a pandemia não seja vivida solitariamente pela família”, afirmou.
“O acesso à educação deve ser para todas e todos. Nesse sentido, na primeira infância esse acesso também implica na possibilidade de pensar a família como a protetora do direito à educação“
Ao lado de Luis Pedernera, participaram do encontro: Alexandra Inmaculada Santelises Joaquín, diretora de Educação Inicial do Ministério da Educação da República Dominicana; Cristina Lustemberg, deputada do Uruguai; Constanza Alarcón, vice-ministra de Educação da Colômbia; e Mercedes Mayol Lassalle, presidenta mundial da OMEP. Mikel Egibar, da EDUCO, ficou responsável pela moderação.
Para Mercedes Mayol Lassalle, construir essa nova realidade demanda desenvolver políticas públicas a partir do enfoque de direitos, com uma concepção integral e intersetorial da educação e da infância. “O acesso à educação deve ser para todas e todos. Nesse sentido, na primeira infância esse acesso também implica na possibilidade de pensar a família como a protetora do direito à educação, não apenas pensando nos sistemas institucionalizados, mas também que muitas crianças pequenas ficam em casa vários anos antes de chegar aos espaços institucionais. E é lá que nós, enquanto sociedades – e também a política pública – devemos encontrar o lugar para poder trabalhar em uma democratização e despatriarcalização das famílias”, afirmou.
Financiamento e valorização de educadoras e educadores
Para o presidente do Comitê da ONU, os orçamentos relativos ao investimento social devem ser ampliados. A presidenta mundial da OMEP também expressou concordar com o aumento do orçamento para a educação e o cuidado na primeira infância.
“O financiamento é absolutamente central, mas enfrentaremos um problema que já está acontecendo: há um debate sobre de onde virá o dinheiro no pós-COVID e, de acordo com os outros cenários, realmente o financiamento será escasso. Dessa maneira, é necessário que haja uma decisão política para garantir o aumento [de recursos]”, assinalou.
Ela acrescentou que é essencial que os governos respondam à necessidade de valorizar e reconhecer a importância dos educadores e educadoras. “Essa é uma tarefa central para o desenvolvimento fundamental da primeira infância, o acompanhamento desses educadores, cuidar dos que cuidam”, explicou.
A educação que queremos
Os exemplos do que aconteceu no Japão e na China na pós-pandemia, onde as e os estudantes voltaram às aulas em escolas robotizadas, com distâncias marcadas no chão e de maneira totalmente desumanizada não devem ser seguidos no cumprimento de uma educação de qualidade, a partir de uma perspectiva de direitos, segundo Luis Pedernera.
“Há pouco tempo, li um artigo de uma filósofa pedagoga e de um pediatra espanhol [Heike Freire e José María Paricio Talayero] e eles convidam a criar uma nova escola, mas não essa escola robotizada, e sim uma escola íntima, ou seja, não massificada, onde as relações e o humano se coloquem sobre outras questões, inclusive sobre o acadêmico; uma escola mútua que se abra à participação de outras disciplinas, de voluntários e também da família. Uma escola coerente e que volte a dialogar com a natureza”, afirmou o presidente do CDC.
“O desenvolvimento estende-se, se amplia e enriquece graças à cultura, à brincadeira, às artes e aos sentidos que vamos construindo em comunidade”
Por sua vez, Mercedes Mayol Lassalle chamou a atenção para a qualidade da política pública e sua relação com a participação democrática da comunidade educativa em sua construção. Para ela, os programas devem aproximar-se tanto das famílias, quanto das crianças e a qualidade não pode ter apenas um parâmetro. “Não é fixar, é construir sentido e essa construção de sentido faz-se junto com a comunidade, junto com as famílias. É algo móvel, que se constrói através da participação e da democracia, incluindo certamente a brincadeira, a linguagem das artes, a cultura, porque o desenvolvimento não é natural, é cultural. O desenvolvimento estende-se, se amplia e enriquece graças à cultura, à brincadeira, às artes e aos sentidos que vamos construindo em comunidade”, explicou.