Foto: Eva Da Porta

Dia Internacional da Mulher na América Latina e no Caribe: uma entrevista sobre a educação libertadora, o direito de decidir e o combate à violência

8 de março de 2019

Neste diálogo, Guadalupe Ramos Ponce, advogada, feminista e coordenadora da CLADEM em Jalisco, aborda temas como: educação, equidade e igualdade de gênero, violência de gênero e o avanço do conservadorismo que resultou em retrocessos para os direitos das mulheres e para a liberdade de decidir sobre seus corpos

Guadalupe, no centro, durante uma das movilizaciones feministas. Foto: Eva Da Porta

“Toda educação tem que ser não sexista, não discriminatória, uma educação sem fobias, sem medos, uma educação libertadora e que promova o direito a viver sem violência. Mas, para alcançar todas essas aspirações, temos que promover uma educação sexual integral, com perspectiva de gênero e de direitos humanos. (…) Uma educação desse modo não irá fortalecer somente a promoção de relações igualitárias de gênero, mas também a construção de Estados democráticos e que respeitam os direitos humanos”, afirma Guadalupe Ramos Ponce, advogada, feminista, professora e pesquisadora da Universidade de Guadalajara, defensora dos direitos humanos e coordenadora do Comitê Latino-Americano e Caribenho de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) em Jalisco, México.

Guadalupe participou de um diálogo com a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) e a Associação Latino-Americana de Educação e Comunicação Popular (ALER), no contexto das celebrações do Dia Internacional da Mulher de 2019.

Na entrevista, Guadalupe abordou a real importância de recordar essa data, que, longe de ser um dia para receber presentes, é – segundo ela – um dia de luta pelos direitos de meninas e mulheres. “É um dia de comemoração, mas também um dia de ação sobre a condição da mulher em relação ao que está acontecendo no mundo, especialmente na América Latina e no Caribe, em seus aspectos sociais, políticos, legais. Por exemplo, a questão da educação das mulheres e como avançamos em relação às lacunas das desigualdades históricas que vivemos nesse campo. É um dia de luta e de continuar exigindo tudo o que precisamos “, afirma.

Diversos temas foram abordados na entrevista, desde a importância de tratar questões relacionadas a gênero e sexualidade na educação, até o combate à violência e a luta para que as mulheres possam decidir sobre seus corpos.

“O corpo das mulheres se torna um campo de batalha. Lá encontramos explicações sobre o abuso sexual, o assédio e a pergunta “Por que quando andamos pela rua eles gritam e nos dizem coisas?”. É uma maneira de inibir nossa presença no espaço público da rua. Por que quando entramos nas escolas, nas universidades, muitas vezes, encontramos espaços hostis, por exemplo, de um professor que nos assedia? É uma maneira de desencorajar a presença das mulheres nesses espaços”, diz Guadalupe.

Como está a educação na América Latina e no Caribe, em relação à igualdade e à equidade de gênero?


Guadalupe Ramos Ponce – 
Antes de responder esta pergunta, gostaria de começar com uma breve reflexão sobre o dia 8 de março porque vem se distorcendo, sobretudo nos últimos anos. As instituições e os Estados se encarregam de deturpar o 8 de março como um dia de celebração, um dia em que te presenteiam com uma flor. Agora, todo o mundo nos parabeniza pelo dia da mulher.

História do 8 de Março

Como disse Guadalupe Ramos Ponce, esta data está longe de ser um dia festivo. Sua origem se enquadrada em um contexto histórico e ideológico de luta das mulheres, marcado por profundas desigualdades de gênero.

No dia 8 de março de 1908, um evento transcendental marcou a história do trabalho e da luta sindical no mundo inteiro: 129 mulheres foram mortas em um incêndio na fábrica de Cotton em Nova York, EUA, depois que entraram em greve, permanecendo em seu local de trabalho.

Essas mulheres estavam mobilizadas para exigir: a redução de sua jornada laboral para 10 horas, um salário igual ao que os homens recebiam pelo exercício das mesmas atividades, e medidas para corrigir suas más condições de trabalho. O dono da fábrica mandou fechar as portas do prédio para forçar as manifestantes a deixar o local. No entanto, o resultado foi a morte das trabalhadoras dentro da fábrica.

O protesto e a morte dessas mulheres geraram outras manifestações, atos e conferências até que, em 1977, a Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), oficialmente, designou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.

Mais informações sobre o Dia Internacional da Mulher

Acho importante que comecemos com essa reflexão de que é um dia de comemoração, mas também um dia de agir sobre a condição das mulheres em relação ao que está acontecendo no mundo, sobretudo na América Latina e no Caribe, em seus aspectos social, político, jurídico, e também quanto à questão da educação das mulheres. É um dia de luta e de continuar exigindo tudo que nos falta.

Em relação à pergunta, toda a região da América Latina e do Caribe tem sido historicamente marcada pelas enormes desigualdades entre os grupos populacionais – por exemplo, em uma mesma região, países como Uruguai, Costa Rica ou Argentina têm níveis educacionais mais elevados do que os de Guatemala, Bolívia e Peru.

Na última década, embora as brechas entre mulheres e homens na questão educacional tenham diminuído – porque a população feminina começou a ingressar na educação formal, no ensino médio e nas universidades, atingindo, em alguns casos, majoritariamente os espaços educacionais – em outros lugares essas lacunas continuam aumentando.

Como a perspectiva da igualdade de gênero deveria ser abordada no âmbito educacional?  


Guadalupe Ramos Ponce – 
A perspectiva de gênero é uma perspectiva de análise que nos permite rever e analisar a condição das meninas e mulheres na educação.

Embora tenhamos visto a luta das bases pela igualdade de gênero, ao mesmo tempo encontramos – especialmente nos últimos anos – um reposicionamento de grupos da extrema direita, que, diante dos avanços significativos que – pouco a pouco – foram sendo alcançados em relação aos direitos das mulheres, começam a incentivar rechaços e, em alguns casos, até retrocessos, com o discurso da chamada “ideologia de gênero”, como uma maneira de deslegitimar esses importantes avanços que foram feitos.

Houve avanços no que se refere a tornar visível a condição de desvantagem histórica em que as mulheres têm estado, o que provou ser necessário implementar uma série de ações afirmativas na região para reduzir essas desigualdades.

Equidade e igualdade de gênero são a mesma coisa?


Guadalupe Ramos Ponce – 
A equidade é o caminho para alcançar a igualdade. Dou um exemplo muito simples: quando, nas aulas, entrego aos meus estudantes uma maçã, neste momento, a cada uma e a cada um, estou aparentemente fazendo uma ação igualitária, porém não estou.

Para que eu possa contribuir no sentido de superar as desigualdades entre mulheres e homens, tenho que olhar – e para isso contribui a perspectiva de gênero – qual é a situação de cada um, não só em sala de aula, mas em casa, na sua vida social e familiar.

Então, vou ver que algumas pessoas têm um quilo de maçãs em sua casa, mas há outras que sequer haviam conhecido uma maçã em suas vidas. Então, alguns vão ganhar uma maçã, outros três maçãs e, possivelmente, alguém não receberá qualquer maçã. Isso é justiça, é justo, porque eu olhei para a condição de cada um para distribuir de acordo com a sua circunstância. Dessa forma, tomo medidas para alcançar a igualdade.

>> Entrevista completa com Guadalupe (em espanhol)