Primeiro diálogo virtual sobre educação na região destaca financiamento, violência e formação docente

7 de maio de 2019

A CLADE reúne especialistas e ativistas para analisar os avanços e retrocessos da educação no Brasil, Honduras, Nicarágua, Peru e República Dominicana, bem como na esfera regional

Com o tema “Nossa Educação, Nossos Direitos”, a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) realizou, no dia 30 de abril, o primeiro de uma série de quatro diálogos virtuais com especialistas e integrantes da Campanha em 16 países, para analisar e discutir o estado do direito à educação na região, em um momento chave: em julho deste ano, as Nações Unidas farão a revisão do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, referente à educação.

Esses quatro diálogos fazem parte das atividades da CLADE no marco da Semana de Ação Mundial pela Educação (SAME) 2019. Esta primeira reunião contou com a participação de: Fernanda Saforcada, da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de San Martín, na Argentina; Pedro Acevedo, do Foro Socioeducativo da República Dominicana; Jorge Mendoza, do Foro de Educación y Desarrollo Humano da Iniciativa por Nicarágua (FEDH-IPN); José Marcelino de Rezende Pinto, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Brasil; Madeleine Zúñiga, da Campaña Peruana por el Derecho a la Educación (CPDE), e Aminta Navarro, do Foro Dakar-Honduras, com a moderação de Camilla Croso, da CLADE.

Leia a seguir os pontos que se destacaram em cada apresentação:

Fernanda Saforcada, da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de San Martín

Foi apresentada uma análise do direito à educação na América Latina e no Caribe nos últimos anos.

“Em meados do século XX, experimentamos a expansão do direito à educação. Por cerca de três décadas do século XX, vivemos um período de retrocesso, com ditaduras e, no final da democracia, tivemos governos neoliberais em que o direito à educação era mais uma vez encarado como direito individual, mas também e sobretudo, a educação era entendida como uma mercadoria, como poderia ser pensado em termos de mercado “, afirmou.

Segundo Fernanda Saforcada, o direito à educação foi ampliado nos primeiros anos do século XXI. “Nos primeiros 10 e 15 anos pudemos identificar nas diferentes reuniões ou cúpulas dos governos, nas quais o direito à educação foi novamente posicionado nos mandatos, nos acordos. Da mesma forma, também apareceu fortemente nas leis de nossos países. O direito à educação apareceu na expansão das matrículas, na obrigatoriedade da educação secundária e inicial, e também no aumento do financiamento na educação. No entanto, o que vemos agora é que entramos novamente em um processo de contração do direito à educação nas mãos de uma configuração de restauração conservadora”.

 

Pedro Acevedo, do Foro Socioeducativo da República Dominicana

“Em 2013, tivemos um avanço na educação na República Dominicana. Conseguimos ter 4% do Produto Interno Bruto (PIB) para educação. Antes, era apenas 2%”. Foi assim que Pedro Acevedo começou sua apresentação.

Durante sua participação no diálogo virtual, ele analisou alguns avanços na educação de seu país, como o fortalecimento da educação pública, com o aumento da participação de estudantes nas escolas públicas, a construção de um novo currículo escolar e a atenção à educação inclusiva e à educação infantil.

 

Jorge Mendoza, do Foro de Educación y Desarrollo Humano da Iniciativa por Nicaragua (FEDH-IPN)

Em sua apresentação, Mendoza destacou a violência cometida pelo governo à sociedade, principalmente contra as e os estudantes e a comunidade educacional. “Todos os dias ficamos mais surpresos com as coisas que estão acontecendo na Nicarágua. Nunca imaginamos que o FEDH-IPN e a sociedade civil, que provêm de um processo revolucionário, pudessem testemunhar essas loucuras que trazem consequências diretas para o sistema educacional.”

Jorge Mendoza relatou os conflitos entre o governo nacional e a sociedade civil, que até levaram a mortes. “Exatamente um ano atrás, um estudante universitário exigiu, com uma clareza que impressionou o mundo, que o presidente e o vice-presidente da República parassem com a repressão e os assassinatos de estudantes e da população em geral que estavam acontecendo desde 18 de abril. Quando, em 30 de abril, exatamente 52 mortes ocorreram como resultado da repressão institucional, pensamos que tínhamos visto tudo, mas os meses se passaram e, depois de um ano, tivemos quase 500 pessoas que morreram, 850 presos políticos, incluindo um número significativo de estudantes, 320 estudantes”, afirmou.

 

José Marcelino de Rezende Pinto, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – Brasil

José Marcelino apresentou um panorama sobre a educação nacional – e seu financiamento – desde o golpe institucional no Brasil que afastou Dilma Rousseff da presidência em 2016.

“O que vivemos agora é uma inversão total daquilo que defendemos como direito à educação. Vivemos um golpe após outro golpe [com a eleição de Jair Bolsonaro como presidente]. É um momento de obscurantismo, com um Ministério da Educação em disputa entre militares e esotéricos”, afirmou.

Segundo o pesquisador, o governo brasileiro tem sistematicamente atacado as linhas que defendem o respeito à diversidade e ao pensamento crítico na educação. “Há um ódio sistemático por Paulo Freire”, acrescentou.

Sobre o financiamento da educação, destacou que o governo diminuiu os gastos. “Agora temos um economista como Ministro da Educação. Já foram cortados cinco bilhões de reais da educação nacional e 2 bilhões de reais em ciência e tecnologia”.

 

Madeleine Zúñiga, da Campaña Peruana por el Derecho a la Educación

Segundo a representante da Campanha Peruana, o Peru é um país com leis muito boas em relação à educação, mas com um grande problema de implementação de políticas públicas.

“Temos um bom apoio legal em relação à educação, no qual não podemos falar de retrocessos. O grande problema é a implementação de nossas políticas públicas. Houve bastante fragilidade em sua implementação. Isso se deve à falta de vontade política e, principalmente, à vontade política que não se manifesta em um orçamento adequado e suficiente para cumprir todas as promessas da política educacional”, afirmou.

Zúñiga acrescentou que essa falta de orçamento está relacionada a desigualdades e injustiças na arrecadação de impostos do país. “Infelizmente, a permissividade que tem sido vista em relação ao pagamento de impostos por grandes empresas nacionais e estrangeiras é cada vez mais normal. Este baixo orçamento influenciou muito o financiamento e a qualidade da educação”.

Madeleine também destaca como desafio a desvalorização docente. “Isso é sério para nós. Temos um magistério que não renova sua formação há 30 anos. Assim, suas fragilidades pedagógicas são imensas e com isso é muito difícil alcançar e traduzir o que se deseja na Agenda de Educação 2030, especificamente no que corresponde a dar sentido à educação”, concluiu.

 

Aminta Navarro, do Foro Dakar Honduras

“Na América Central e em Honduras passamos por tempos bem diferentes. A educação tornou-se para todos nos anos 2000. É uma estrutura política que está interessada na educação de adultos, na cobertura, na formação docente”, explicou Aminta Navarro.

Ela afirma que o país tem uma legislação e uma Constituição muito interessantes, nas quais o direito humano à educação é evidente. “Contamos com um aceno para a educação intercultural bilíngue, com uma normalista que forma docentes para educação intercultural bilíngue”, acrescentou.

Navarro também afirma que, mesmo com os avanços, não há vontade política do governo de contratar professoras/es de educação intercultural. “Os sindicatos de docentes também estão excluindo professores que foram treinados nos oito povos indígenas de Honduras”, explicou.

O problema da privatização da educação também foi destacado em seu discurso. “Honduras tem sido um dos países em que há resistência suficiente à educação privada, especialmente no sistema universitário. Mas isso está mudando ultimamente. Há uma tendência de mostrar que é necessário que grandes empresas de educação possam, em algum momento, intervir até mesmo na formação de professores”, disse.

 

Próximos diálogos

O segundo encontro da série acontece hoje, 7 de maio, das 16h às 17h30 (horário de Brasília), e contará com a presença do convidado especial Roberto Bissio, da Social Watch, além de representantes do Foro por el Derecho a la Educación Pública do Chile, da Coalición Colombiana por el Derecho a la Educación, da Reagrupación Educación para Todos y Todas do Haiti, da Red Salvadoreña por el Derecho a la Educación e do Colectivo de Educación para Todas y Todos da Guatemala.

Nesta ocasião, serão compartilhadas reflexões e análises sobre os avanços, oportunidades, desafios e riscos para garantir o direito à educação na região.

O diálogo será moderado por Mónica Novillo, coordenadora da Rede de Educação Popular entre as Mulheres da América Latina e do Caribe (REPEM), e será aberto ao público.

Para participar, se inscreva aqui.

Nas próximas semanas, continuaremos discutindo o direito à educação em outros dois diálogos virtuais, que contarão com a participação de especialistas e membros da Campanha em outros países da região.

Conheça o programa completo e inscreva-se para os próximos diálogos!

SAME 2019

A Semana de Ação Mundial pela Educação (SAME) é uma mobilização internacional que conta com a participação de ativistas e comunidades educacionais de mais de 100 países em todo o mundo. Na América Latina e no Caribe, atividades e diálogos estão sendo promovidos neste contexto para analisar e discutir o estado do direito à educação em um momento chave: em julho deste ano, se focará na revisão do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobre a educação, nas Nações Unidas.