Especialistas apontam desafios para a garantia da educação como um direito humano na região
14 de maio de 2019“Os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável nos inspiram a seguir os instrumentos de direitos humanos como horizontes. Na Agenda, temos uma perspectiva de todas as etapas educacionais: fala-se sobre primeira infância, ensino médio, participação estudantil, ensino superior, financiamento e educação gratuita. Estabeleceu-se para os Estados a obrigação de garantir pelo menos 12 anos de educação gratuita e obrigatória. Os instrumentos de direitos humanos mencionam a progressividade a todas as etapas educacionais, mas esse horizonte de 12 anos foi um acerto fundamental”, disse Camilla Croso, coordenadora geral da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) durante o Seminário virtual “O Planejamento de Políticas Educacionais no Âmbito da Agenda 2030”, realizado em 9 de maio.
Organizado pelo escritório de Buenos Aires do Instituto Internacional de Planejamento Educacional (IIPE UNESCO), no lançamento de seus programas regulares de formação, o seminário promoveu reflexões sobre a relevância política e institucional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e em particular do ODS 4 – referente à educação – na região; o diálogo da Agenda de Educação 2030 com os avanços para a consolidação da educação como um direito; e os principais desafios e obstáculos na implementação da Agenda de Educação 2030.
Além de Camilla Croso, participaram do evento: Pablo Cevallos Estarellas, diretor regional do IIPE UNESCO Buenos Aires; Gladys Kochen, coordenadora de formação do IIPE UNESCO Buenos Aires; Néstor López, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do IIPE UNESCO Buenos Aires; e Cecilia Barbieri, do Escritório Regional da UNESCO para América Latina e Caribe (OREALC/UNESCO).
Desafios para o cumprimento da Agenda: avaliação, participação e financiamento
Durante o seminário, destacaram-se como desafios as disputas em relação à interpretação da educação de qualidade que se quer alcançar com a Agenda 2030. “Ao longo do processo de negociação e definição da Agenda, a sociedade civil da América Latina e do Caribe lutou pela perspectiva de inclusão na educação, mas ainda há disputas interpretativas sobre o que significa qualidade educacional, entre a visão que defendemos, que propõe a educação para o coletivo e como bem comum, e um discurso que se limita a resultados de aprendizagem, e que vemos em muitas das políticas da região, representando um risco. Não queremos que a Agenda se converta numa perspectiva reducionista dos currículos e políticas”, explicou Camilla Croso.
Ela também fez uma análise crítica em relação às avaliações educacionais padronizadas – que, em seu ponto de vista, “padronizam e homogenizam o aprendizado”. “O problema é que existem programas de avaliação que enfocam resultados de estudantes em apenas algumas disciplinas, como é o caso do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico]. As culturas e os contextos são diversos. Pode ser que as avaliações padronizadas façam parte de um pacote de análise, mas elas não devem ser tomadas como única ferramenta de avaliação, pois isso leva também a padronizar a formação docentes e outros aspectos da educação. Defendemos uma perspectiva mais ampla de avaliação, que observe as escolas, os insumos, os processos, as políticas, os sistemas de ensino e os salários docentes, entre outros elementos, não apenas os resultados de estudantes e docentes em testes padronizados”, explicou.
Por sua vez, Cecilia Barbieri apontou como um desafio a dificuldade de criar um consenso sobre o que significa docentes com qualificação, avaliação e remuneração adequadas. “Isso tem implicações sobre os significados da educação e coloca em discussão o papel das professoras e dos professores no cumprimento da Agenda”, afirmou.
Acrescentou que há o risco de colocar a responsabilidade exclusiva pela qualidade educacional sobre a profissão docente, quando os Estados devem ser os responsáveis por garantir direitos e bons resultados na educação. “Ainda não há consenso sobre os conceitos de qualidade da educação em termos de acesso e participação da comunidade educativa, por exemplo, o que vai além da eficácia. Devemos avançar nesse pensamento, pois tem relação com a integração desses elementos em uma avaliação que questiona a educação, em relação à pertinência e à inclusão”, disse Barbieri.
Em relação ao financiamento educacional, Camilla Croso chamou a atenção para o risco do desfinanciamento da educação pública. “Embora tenhamos aumentado o financiamento para a educação nos últimos anos, temos que analisar as últimas tendências de cortes ao financiamento para esse campo. Quando o público é desprovido de financiamento, colocam-se em risco a questão da igualdade e a garantia da educação como um direito para todas e todos”.
Acrescentou que é necessário trabalhar com os governos para a criação ou consolidação de mecanismos e procedimentos que, de fato, garantam a participação de sujeitos das comunidades educativas na definição de políticas públicas transformadoras, e que outro desafio é a superação da discriminação e da desigualdade na educação. “A crescente discriminação contra meninas, mulheres e pessoas LGBTI nos espaços educativos da região deve ser superada, o que vai além do ODS 4. Tem a ver com o direito à igualdade de gênero, que hoje está em disputa entre grupos que defendem a perspectiva de direitos e grupos ultraconservadores, como o ‘Con mi hijo no te metas'”, destacou.
Além disso, Cecilia Barbieri lembrou que garantir a educação como um direito ao longo da vida, conforme estabelece a Agenda 2030, requer a inclusão de educadoras e educadores que atuam fora do sistema formal de educação. “A educação de pessoas jovens e adultas (EPJA), por exemplo, precisa de atenção e financiamento. Essas diferentes modalidades educacionais e os diferentes contextos requerem uma educadora ou educador com formação ampla e competência para ensinar e incluir os diferentes grupos sociais que estão nessas modalidades, inclusive jovens que não conseguiram concluir o ensino médio no tempo previsto e vão para a EPJA”, afirmou.
Veja o seminário completo aqui.