Ilustración: Nayani Real

A influência do setor educativo privado na educação pública mexicana

17 de fevereiro de 2020

Por: Thais Iervolino

Nesta segunda parte do relato, Mauro Jarquín, pesquisador de temas relacionados com a política educacional no México, analisa como as corporações do setor educativo influenciam a educação pública do país

“O governo quer agora dar diretamente recursos para as pessoas que estão nas escolas privadas”. Foto: Divulgação/Mauro Jarquín

Em diálogo com a CLADE, Mauro Jarquín, mestrando de Ciência Política, ex-conselheiro estudantil na FCPyS e colaborador de meios eletrônicos como Insurgencia Magisterial e Outras Vozes em Educação, apresenta suas observações e análises sobre as políticas públicas e leis educativas no México, e em que medida essas favorecem a privatização e o lucro na educação, em detrimento de sistemas educativos públicos e gratuitos.

Nesta segunda parte do relato, o pesquisador analisa como as corporações empresariais têm influenciado as políticas educacionais no país, e como a educação tem sido parte da estratégia desses grupos para chegar ao poder. 

“O que planeja agora o governo é, não somente gerar uma política fiscal que incentive o consumo de educação privada, mas dar diretamente recursos para as pessoas que estão em escolas privadas”, afirmou.

Leia a segunda parte do relato a seguir.


O Secretário da Educação do México foi presidente de uma fundação empresarial do campo educativo por quase três décadas

A reforma educacional atual no México se expressa particularmente no artigo 3º da Constituição Federal. Manuel López Obrador chegou ao governo com um grande apoio do magistério mexicano em geral, independentemente de sua filiação sindical, pois afirmou durante toda sua campanha eleitoral que revogaria a reforma educativa de Peña Nieto.

Foi integrada ao artigo constitucional mencionado uma espécie de grade curricular com conteúdos que deverão ser aprendidos na nova escola mexicana. Menciona-se, por exemplo, a literacidade, que já é formalmente um pilar do processo educativo mexicano.

Existe um sentido empresarial em várias das propostas do atual governo e não é para menos, já que o Secretário da Educação Pública foi presidente da Fundação Azteca durante 27 anos. A Fundação Azteca no México tem sido a organização que tem impulsionado debates sobre o voucher educativo e tem investimentos em educação.

“O titular da educação pública no país é, de fato, o empresário ativista mais constante na questão educativa”

O projeto “Escola Nova”, em Puebla, impulsionado pela Fundação Azteca, foi assimilado como parte da política educativa oficial, sendo chamada “Nova Escola Mexicana”. A fundação também tem iniciativas de investimento na educação artística, como a Orquestra Esperança Azteca e o Programa Orquestra Esperança Azteca, que também fazem parte da política educacional nacional, com a criação de 32 sinfônicas infantis.

A Fundação Azteca oferecerá instrumentos e capacitação para as escolas das sinfônicas, mas os contratos ainda não foram divulgados, nem as circunstâncias em que serão realizados a capacitação e o empréstimo dos instrumentos. Isso, em México, denomina-se comodato.

Então, o titular da educação pública no país é, de fato, o ativista empresário mais constante, pelo menos desde o ano 2001, na questão educativa.


Financiamento: bolsas, subsídios e interferência

Parte do projeto do atual governo mexicano é gerar políticas de alocação direta de recursos. É um tanto questionável, já que o governo disse que o período neoliberal no México havia chegado ao fim. No entanto, quando vemos nossa política econômica, realmente não existe muita diferença em relação aos sexênios anteriores.

O mais importante, para o governo, é manter a disciplina fiscal para que essa impacte favoravelmente os níveis de inflação. Mas, para manter essa disciplina, tem contraído o gasto público de maneira extraordinária, tem diminuído a quantidade de burocratas na administração pública federal e tem fomentado o investimento privado, em termos de infraestrutura e oferta de alguns outros serviços.

O que propõe agora o governo é, não unicamente gerar uma política fiscal que incentive o consumo de educação privada, mas dar diretamente recursos para as pessoas que estão nas escolas privadas

Para compensar essa falta de investimento público,gerou-se uma política de distribuição direta de recursos por meio de bolsas. Existem bolsas para muitas coisas: bolsas para pessoas idosas, para estudantes de um novo sistema universitário, que se denomina Sistema de Universidades Benito Juárez. Mas, as bolsas do governo para estudantes da educação pública não são mais suficientes. Temos estudantes com recursos escassos que estudam em escolas privadas, e é provável que se comece a discutir a possibilidade de criar subsídios estatais para pessoas que estudam em escolas privadas.

Essa intenção não é nova. Desde o governo de Felipe Calderón, deu-se início a uma política fiscal que favorecia os fornecedores e as pessoas beneficiárias da educação privada, por meio da dedução fiscal. Essa política, iniciada em 2011, continua vigente. Mas, o que propõe agora o governo é, não unicamente gerar uma política fiscal que incentive o consumo de educação privada, mas dar diretamente recursos para as pessoas que estão nas escolas privadas.


Institucionalização da governança corporativa

Como México é um país que está atravessado, em todos os níveis, por práticas corruptas, o presidente empreendeu uma campanha contra a corrupção.

Essa campanha vem tendo repercussões em outros sentidos. Um exemplo é a denominada austeridade republicana, que originalmente surgiu como bandeira contra a corrupção e, por fim, resultou em investimento público baixo, ou seja, na austeridade neoliberal.

As linhas clássicas de financiamento educativo acabavam em perdas de grandes quantidades de recursos pelos ralos da corrupção, pois as autoridades estatais e municipais que recebiam os recursos, muitas vezes, não os utilizavam de maneira correta. Então, o que propôs o atual presidente foi transferir recursos diretamente para as escolas e o programa de bolsas.

Nesta reforma, o que enxergo é mais uma institucionalização da governança corporativa. Vejo isso na promoção de agentes privados, na dinâmica educativa e na adoção de mecanismos de organização escolar que são originários do setor privado

Deparamo-nos com um programa de autonomia de gestão para as escolas, que serão administradas pelos comitês de pais e mães, que serão os responsáveis por todos os gastos da escola em matéria de infraestrutura, material didático, manutenção das instalações e resolução dos problemas que surgirem. Essa é uma questão a que temos que dar mais atenção.

Nessa reforma, o que enxergo é mais uma institucionalização da governança corporativa. Vejo isso na promoção de agentes privados, na dinâmica educativa e na adoção de mecanismos de organização escolar que são originários do setor privado, por exemplo o dito modelo de governança escolar, o Programa Nova Escola ou as formas administrativas da Fundação Azteca com relação à educação musical.

Há alguns meses, a Secretaria da Educação Básica fomentou um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para que essa instituição financeira avaliasse os resultados da política de autonomia de gestão escolar do atual governo.

No discurso do governo, não se fala de uma reforma modernizadora, que estaria facilmente associada à privatização. Também não se fala de uma reforma que faz alusão à globalização, ao capital humano e aos organismos internacionais, como o BID. Essa reforma faz alusão à luta contra a corrupção, mas o que vejo é uma institucionalização do poder corporativo em certos níveis da administração educativa mexicana.


Leia a primeira parte da análise de Mauro Jarquín: Nova reforma educativa no México e a institucionalização do poder corporativo


Edição: Fabíola Munhoz