Foto: Unicef/México

Nova reforma educativa no México e o lucro na educação

17 de fevereiro de 2020

Por: Thais Iervolino

Neste relato, Mauro Jarquín, pesquisador de temas relacionados com a política educacional, aborda a lei e as políticas mexicanas, analisando em que medida elas favorecem o lucro e a privatização na educação

Mauro Jarquín: “O que tem se fortalecido nessa nova reforma educativa é a privatização endógena”. Foto: Divulgação/Mauro Jarquín

Completou-se um ano de gestão de Andrés Manuel López Obrador na presidência do México, país que nunca tinha sido governado por um partido publicamente declarado de esquerda. Uma de suas primeiras ações no governo foi a promulgação de uma reforma educativa, que também completou um ano de vigência.

A reforma, segundo especialistas e líderes do campo educativo do país, foi apresentada como uma mudança da reforma anterior, a de 2013, impulsionada pelo ex-presidente Enrique Peña Nieto.

A Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) conversou com o especialista e pesquisador mexicano Mauro Jarquín para saber mais sobre a reforma, e se realmente significa uma ruptura com a política educativa anterior. Além disso, indagamos se a reforma favorece ou dificulta a privatização e o lucro na educação nacional.

Mestrando de Ciência Política, ex-conselheiro estudantil na FCPyS e colaborador de meios eletrônicos como Insurgencia Magisterial e Outras Vozes em Educação, Mauro Jarquín pesquisa temas relacionados com a política educativa, a organização política do empresariado e a história econômica da América Latina.

Neste relato, que resulta de um diálogo com o pesquisador, Mauro Jarquín analisa como a educação mexicana, ainda com a reforma de Obrador, está longe de ser pensada como um direito, já que o Secretário de Educação atual foi presidente de uma das maiores fundações privadas de educação. “Lucro e educação continuam sendo um norte para a política educativa mexicana”, destacou.

“O que se discute não é unicamente gerar uma política fiscal que incentive um consumo de educação privada, mas dar diretamente recursos para aquelas pessoas que estão nas escolas privadas”, acrescentou. Leia o relato completo:

O lucro e a reforma educativa no México

Estamos neste momento atravessando um processo de reformas educativas que se iniciou formalmente em dezembro de 2018. Em relação à privatização e ao lucro na educação, passamos de uma política que era uma espécie de terapia de choque, a reforma de 2013, para uma mais ou menos gradual, porque os elementos que eram os mais evidentes sobre a possibilidade de lucro na educação, muito além do provimento privado direto, foram retirados.

“O que tem se fortalecido nessa nova reforma educativa é a privatização endógena”

Por exemplo, nos artigos 3 e 73 da Constituição, não se fala em subvenções diretas do governo para fornecedores privados do campo educativo. O que se menciona, tanto no artigo constitucional, quanto na lei geral de educação, é a possibilidade de que os fornecedores privados colaborem nos processos de governo, nos processos educativos públicos.

O que tem se fortalecido nessa nova reforma educativa é a privatização endógena, pois se recuperam mecanismos de administração e de gestão privada na educação pública. O que é mais evidente é o direcionamento para a geração de uma espécie de governança corporativa na educação. É uma privatização da política educativa.

Essa privatização da política educativa se encontra na Lei Geral de Educação, nos artigos relativos ao fomento e à oferta da educação inicial. A educação inicial no México atualmente é fornecida em 39.3% dos casos pela iniciativa privada, e a reforma constitucional publicada oficialmente no último dia 15 de maio estabelece que o Estado deve garantir o acesso efetivo à educação inicial.


Garantir ≠ fornecer

Entretanto, segundo o jargão jurídico mexicano, garantir não é necessariamente o mesmo que fornecer. Então, o Estado pode garantir o acesso das crianças à educação inicial, por exemplo, fomentando a oferta desses serviços pelo setor privado.

Essa é uma interpretação, pois não está claramente na lei. O que está na lei é que o Estado fomentará a cultura da educação inicial com o apoio de privados, sociedade civil e organismos internacionais, no artigo 38.

No artigo 39, menciona-se que a autoridade determinará princípios reitores da educação inicial com a colaboração de privados e organizações da sociedade civil. O importante aqui é que, no processo político da reforma, esse artigo relativo à educação inicial foi uma exigência, particularmente, do grupo de empresários “Mexicanos Primero”. Além disso, faz parte da agenda regional que tem sido impulsionada por Interamerican Dialogue, já faz alguns anos, que busca implementar agendas para a educação inicial nos 14 países que têm presença de organizações integrantes da Reduca. No entanto, não existe explicitamente na Lei Geral de Educação um artigo que fale sobre subvenções, por exemplo, ou sobre financiamento educativo sob demanda. 


Qualidade x excelência

A reforma educativa se expressa particularmente no artigo 3º da Constituição. Manuel López Obrador chegou ao governo com um grande apoio do magistério mexicano em geral, independentemente de sua filiação sindical, pois afirmou durante toda sua campanha eleitoral que revogaria a reforma educativa de Peña Nieto.

A reforma educativa anterior estabelecia uma educação de caráter gerencial, com políticas de autonomia para as escolas, e fomentava alianças público-privadas, bem como mudanças no sistema de governança. Costumava-se dizer que era uma espécie de choque com relação à tradição educativa mexicana.

Na reforma atual, substituíram toda a noção de qualidade – como conceito reitor do artigo constitucional – por excelência, de modo que o fundamento de toda a reforma é que a educação mexicana entende excelência como a melhoria integral constante que promove o máximo nível de  aprendizagem nos educandos, para o fomento do pensamento crítico e o vínculo entre a escola e a comunidade

O que fez o presidente atual foi focar particularmente no tema das políticas de prestação de contas em Educação com relação ao magistério, e a constituição de um esquema de carreira docente menos meritocrático, um pouco menos padronizado.

No entanto, continuaram elementos que apontam para o sentido da educação, ligado ao interesse do mundo corporativo. Por exemplo, o artigo reitor da reforma educativa de 2013, o conceito reitor de qualidade na educação e a definição de qualidade educativa, era a máxima obtenção de aprendizagem pelos educandos.

Na reforma atual, substituíram toda a noção de qualidade – como conceito reitor do artigo constitucional – por excelência, de modo que o fundamento de toda a reforma é que a educação mexicana entende excelência como a melhoria integral constante que promove o máximo nível de aprendizagem nos educandos para o fomento do pensamento crítico e o vínculo entre a escola e a comunidade. No entanto, quando vemos as políticas de avaliação que estão sendo apresentadas, realmente é uma espécie de continuidade


>> Leia a segunda parte da análise de Mauro Jarquín: A influência do setor educativo privado na educação pública mexicana


Edição: Fabíola Munhoz