“A Educação que Necessitamos para o Mundo que Queremos: perspectivas de adolescentes e jovens da América Latina e do Caribe” foi o título deste diálogo virtual realizado pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), com a participação de jovens e autoridades da América Latina e do Caribe, com ênfase em abordar os desafios e propostas para a garantia do direito à educação na região.
O evento, que aconteceu no dia 10 de março, foi realizado no contexto da campanha “A Educação que Necessitamos para o Mundo que Queremos”, que desde outubro de 2019 vem reunindo e divulgando as vozes, opiniões, sugestões e os desafios de adolescentes e jovens da região sobre seu direito à educação, por meio de vídeos, fotografias, textos, poemas e desenhos, entre outros formatos.
Durante o diálogo virtual, foram lançados um vídeo-documentário e um dossiê virtual com sugestões e depoimentos de adolescentes e jovens sobre seu direito à educação. Além disso, jovens da região compartilharam e aprofundaram ao vivo suas demandas, desafios e contribuições.
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Participaram: Luis Ernesto Pedernera, presidente do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU, e Francisco George de Lima Beserra, especialista da Relatoria sobre os Direitos das Crianças da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao lado dos jovens Alexander Guevara (Nicarágua), Angélica Hidalit (México), Felipe Urbas (Argentina), Gabriel Villarpando (Bolívia), Jazmin Elena (El Salvador) e Laura Victoria Kiknath (Colômbia). Camilla Croso, coordenadora geral da CLADE, apresentou e moderou o evento.
A seguir, apresentamos algumas das reflexões e ideais que se destacaram durante o diálogo virtual.
Vontade política e valorização de docentes
Como eliminar a falsa correlação entre experiência de vida e capacidade, que faz com que seja tão difícil a cooperação entre jovens e especialistas? Essa foi a primeira pergunta que o estudante argentino Felipe Urbas apresentou para as autoridades participantes do diálogo.
Felipe entende que essa correlação é uma das principais barreiras para o trabalho conjunto entre tomadoras e tomadores de decisões e as comunidades juvenis, tanto de estudantes, quanto de pessoas não escolarizadas.
“Existe uma crença de que as leis operam magicamente sobre a realidade. (…) Têm sido realizadas reformas legislativas medianas, boas e não tão boas, mas as leis têm ficado ali“
Durante sua fala, o estudante também apresentou alguns dos desafios da educação na Argentina, como a existência de leis que garantem o direito à educação, mas não são colocadas em prática por falta de vontade política, e a não valorização de docentes.
Em resposta à primeira pergunta do estudante argentino, Francisco George de Lima Beserra afirmou que: “o direito não é só de que as crianças e os adolescentes participem, e que suas vozes sejam escutadas, mas que o seu conteúdo inclua o direito a receber informação. A participação efetiva só acontece se a criança ou o adolescente recebe informação que lhe permita tornar efetiva essa participação”.
Analisando o comentário de Felipe sobre a falta de vontade política, Luis Ernesto Pedernera afirmou que é preciso ir além das leis. “Existe uma crença de que as leis operam magicamente sobre a realidade. (…) Têm sido realizadas reformas legislativas medianas, boas e não tão boas, mas as leis têm ficado ali. Sempre me lembro de um documento escrito na década de 90 sobre a população andina, que falava que as leis não poderiam ser letras mortas. Esse é um dos desafios que deve mover as autoridades que estão à frente das políticas, para que a realidade mude. Não vale só fazer discursos de que as crianças têm direitos, se isso não é feito diretamente na realidade”.
Transparência, autonomia e participação
Para o estudante da Nicarágua, Alexander Guevara, um dos principais desafios da educação em seu país é a falta de transparência com relação aos dados oficiais referentes ao campo educativo.
“Uma das problemáticas é não contar com as estatísticas que nos mostrem como está a educação, como está a matrícula, como está a retenção escolar, o problema do acesso [escolar] para as comunidades rurais do nosso país…”, explicou.
Também destacou a invisibilidade das manifestações estudantis e a questão de gênero na educação como outros desafios.
“É necessária uma autonomia progressiva para que todos participem do processo decisório“
Para Luis Ernesto Pedernera, a ausência de dados é, de fato, um problema grave. “Não contamos com os dados para poder pensar na política pública. Um Estado sério precisa ter dados para planejar, projetar e avaliar. Sem isso, é impossível pensar”, destacou.
Por sua vez, o jovem e estudante universitário Gabriel Villarpando, da Bolívia, destacou a problemática da falta de autonomia e participação de adolescentes e jovens. “Como podemos manter a nossa autonomia e participação dentro dos espaços educativos?”, perguntou, relacionando esse desafio com o atual momento político complexo em seu país. “Na Bolívia, estamos passando por um período muito tenso. Tivemos [recentemente] duas mudanças de Ministro de Educação”, acrescentou.
Em resposta ao estudante, Francisco George de Lima Beserra destacou a importância de se colocar em prática o princípio da autonomia progressiva. “É necessária uma autonomia progressiva para que todos participem do processo decisório. Ela [a autonomia] ainda não está tão bem consolidada, para que adolescentes possam exercê-la. É responsabilidade dos Estados fazer com que existam processos para isso”.
Primeira infância e formação em direitos humanos
Em sua exposição, a estudante Laura Victoria Kiknath, da Colômbia, enfatizou a primeira infância e seus direitos. “Como romper a barreira das crianças [menores] que não têm força para defender seus direitos? Como é abordada, no cenário internacional, a relação entre a qualidade de vida dos pais e a dos filhos?”, foram algumas de suas perguntas.
“Que as crianças tenham voz não significa fazer tudo o que a criança diz, mas significa colocar sobre a mesa uma voz que estava ausente. Sobre isso, nós adultos temos que aprender”, respondeu Luis Ernesto Pedernera.
Laura Victoria também abordou o tema da formação em direitos humanos. “O ensino dos direitos universais deve ser transversal a todas as áreas do conhecimento, ou deve estar em uma área específica de formação em direitos humanos?”, perguntou.
Para Francisco George de Lima Beserra, os dois tipos de formação em direitos humanos são importantes. “Deve ser transversal porque todas as carreiras deveriam conhecer os direitos humanos, mas também deve ser parte do currículo, porque às vezes o tema fica tão transversal que não chega diretamente a ser considerado uma temática”, explicou.
Integração da educação com outras políticas sociais
Segundo a estudante Angélica Hidalit, do México, a educação é um ato de responsabilidade e consciência que tem muitas dimensões. Em sua pergunta, abordou o desafio de integrar a educação com outras políticas públicas sociais.
“Se a educação não dialoga com a saúde, se não dialoga com a previdência social, se não dialoga com a moradia, pouco se pode fazer”
“Não é possível que só a escola seja responsável pela educação, mas, com certeza, é a instituição que tem uma forte liderança para reconhecer e garantir a educação. É necessário que a escola fortaleça uma capacidade crítica nos estudantes, para que possam sair da escola e ver o mundo a partir de um olhar libertador, crítico”, respondeu Francisco George de Lima Beserra.
Segundo Luis Ernesto Pedernera, a educação não é uma ilha, e as crianças e adolescentes devem ser compreendidas/os de maneira integral. “Outro tema urgente é a migração e os direitos das crianças migrantes. Temos alguns exemplos de que as crianças, só pelo fato de chegarem aos países [para os quais migraram], têm seus direitos básicos negados. O Comitê [sobre os Direitos da Criança da ONU] faz um chamado permanente aos Estados para que a capacitação para os direitos das crianças seja um processo contínuo e permanente”, explicou.
Referente à relação entre o campo educativo e outros setores das políticas públicas sociais, enfatizou que “se a educação não dialoga com a saúde, se não dialoga com a previdência social, se não dialoga com a moradia, pouco se pode fazer. Por isso é necessária a coordenação das políticas públicas, já que todas essas questões acabam impactando em elementos da educação”, acrescentou.
Gênero e Educação
Os temas “gênero e educação” e “educação sexual integral” também se destacaram no diálogo virtual.
“A deserção [escolar] provocada por um vazio em matéria de educação sexual é um tema grave na nossa região. A educação sexual segue sendo um grande tabu nos currículos escolares e, como consequência desse vazio na formação curricular – que para o Comitê não deve se limitar ao ensino da parte biológica, mas deve se estender a uma perspectiva holística do que significa a sexualidade –, estão a gravidez na adolescência e as poucas possibilidades dadas às mães adolescentes ou para que adolescentes grávidas participem dos processos educativos. Por diferentes motivos, elas terminam saindo dos sistemas educativos, sendo expulsas diretamente”, afirmou Luis Ernesto Pedernera.
Veja o vídeo com a gravação do diálogo virtual:
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