Entrevista: “Ensinar para a prova não é o mesmo que educar”
16 de diciembre de 2012
Para o pesquisador brasileiro Luiz Carlos de Freitas, o desejo de fazer avaliações em grande escala é fomentado por políticas que querem testar e castigar às escolas e profissionais que ali trabalham. “É um erro pensar que os professores e professoras não sabem os problemas que afetam o rendimento de seus estudantes e sua escola, e que uma avaliação externa os levaria a esse conhecimento”
Por Fabíola Munhoz, da CLADE
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Para discutir as formas vigentes de avaliação da educação pública e as implicações da aplicação de provas padronizadas para a medição da qualidade do ensino, a CLADE conversou com Luiz Carlos de Freitas, pesquisador e diretor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. Na conversa, ele critica esse tipo de avaliação e defende a construção de um modelo alternativo, baseado na responsabilização participativa e no protagonismo de um conjunto de atores de cada centro educativo, que desenvolva um coletivo atuante com instrumentos e condições de promover a qualidade escolar. “Para isso, é preciso acreditar, confiar nestes atores, o que não pode existir na responsabilização verticalizada. Na contramão desta política, a responsabilização verticalizada tem por finalidade estabelecer metas inatingíveis nas condições existentes, para destruir a escola pública convertendo-a em mercado”, afirma.
Leia a entrevista completa a seguir.
Qual a importância da avaliação como forma de diagnóstico para o desempenho de estudantes, docentes e centros educativos? Qual deveria ser sua finalidade e melhor uso?
Luiz Carlos Freitas – As avaliações mais relevantes são aquelas que os próprios docentes realizam no interior de suas salas diretamente com seus estudantes. Ao nível da escola, conselhos devem avaliar o dia a dia da escola e propor caminhos. Fora da escola, as chamadas avaliações de larga escala, devem ser destinadas a apoiar a política pública.
A ênfase deve ser dada nos dois primeiros tipos: sala de aula e coletivo da escola. As demais, usadas para apoiar as políticas públicas, devem ser apenas amostrais e não precisam ser avaliações censitárias. É um engano achar que os professores não conhecem os problemas que afetam o desempenho dos seus estudantes e da sua escola, e que uma avaliação externa levaria a ele tal conhecimento. Os professores são os que estão mais próximos do aluno e da realidade da escola. Não falta informação sobre os alunos, faltam condições para lidar com as informações.
O desejo de fazer avaliações censitárias de larga escala é fomentado pelas políticas de responsabilização que querem testar e punir as escolas e seus profissionais. Internalizam a competição nas escolas, aderindo às teorias de organização empresariais. Elas recusam a avaliação amostral porque essa não atende ao objetivo de controlar as escolas. É por isso que têm sido usadas equivocadamente as avaliações de larga escala censitárias. A melhoria da qualidade das escolas não deve ser um processo imposto de fora para dentro, por meio da pressão de avaliações censitárias, mas sim, deve ser um processo que mobilize desde dentro as forças positivas da escola para a construção da sua qualidade.
Qual a sua opinião sobre as avaliações educativas padronizadas, como a Prova Brasil, em nosso país, e o PISA, no nível internacional, como forma de medição da qualidade educativa? Quais são as eventuais fortalezas e debilidades desse tipo de prova?
Freitas – Como já disse, não vejo necessidade de avaliações censitárias como a Prova Brasil e dezenas de outras usadas em estados e municípios. Para efeitos de apoiar a política pública, bastam avaliações amostrais. As avaliações padronizadas acreditam que, se a média dos testes aumenta, então a qualidade da escola melhorou. Mas, isso não é automático. Antes de avaliar, precisamos definir o que entendemos por boa educação e isso certamente é mais do que aumentar médias em testes de algumas disciplinas. No caso do PISA, é mais complicado, pois ele pretende ser uma avaliação entre nações e não possui metodologia adequada para tal. A TRI (Teoria de Resposta ao Item) pode tornar os países comparáveis “tecnicamente”, mas não fornece as “explicações” necessárias para se poder entender as diferenças entre as nações, que envolvem aspectos culturais, socioeconômicos entre outros. É um ranking enganoso.
Alguns movimentos de estudantes e docentes em Chile, México e Brasil, têm ido às ruas para protestar contra a falta de participação e a aplicação de avaliações escolares padronizadas, obrigatórias para estudantes e docentes, por considerar que esse tipo de prova pode trazer efeitos negativos, como a pressão excessiva sobre o magistério e as/os discentes, e a segregação entre estudantes e escolas. O que o senhor pensa sobre essas lutas e os argumentos que as embasam?
Freitas – Os efeitos nefastos dos testes estão documentados na literatura e parece que só há uma forma de conter estas políticas: ir para a rua. Porém, a questão é menos o uso de testes, os quais podem ser usados de forma adequada, e mais rejeitar o modelo de responsabilização verticalizada baseado em pressão que acompanha os testes. A avaliação foi sequestrada pela teoria das organizações empresariais. Precisamos construir um modelo alternativo, baseado em responsabilização participativa, que se apoie no conjunto dos atores da escola e desenvolva um coletivo atuante no interior da escola, que crie instrumentos e condições de promover a qualidade da escola. Para isso, é preciso acreditar, confiar nestes atores, o que não pode existir na responsabilização verticalizada. Na contramão desta política, a responsabilização verticalizada tem por finalidade estabelecer metas inatingíveis nas condições existentes, para destruir a escola pública convertendo-a em mercado.
Pode-se dizer que as avaliações padronizadas estão a serviço de um projeto educativo que visa à homogeneidade dos contextos escolares, em prejuízo do acolhimento e da tolerância à diversidade e à diferença? Por quê?
Freitas – A tese dos reformadores empresariais exige padronização. Sem essa, não há como estabelecer formas de controle sobre a escola. Em vários países, esse processo se inicia com a propositura de uma base nacional comum obrigatória, da qual se deduz um subsistema de controle baseado em avaliação, um subsistema de controle da formação de professores e um subsistema de controle da produção de materiais didáticos e sistemas de ensino pré-fabricados. Dada a importância da gestão para estas teorias, desenvolve-se um modelo de incorporação da gestão privada na escola pública, através da terceirização de gestão por concessão. Nesse processo de padronização, é claro que as diferenças culturais e as especificidades acabam sendo secundarizadas, pois o que não é padronizável (o diferente) tende a ficar fora das avaliações de larga escala, e o que não cai no exame perde importância para as escolas e gestores.
Quais poderiam ser, em sua opinião, modelos de avaliação mais adequados para medir a qualidade educativa? Por quê?
Freitas – Entendo que os processos de avaliação participativos são mais adequados, pois estão mais enraizados nos problemas da própria escola. Eles devem apontar para uma negociação entre as escolas, seus profissionais e o poder público. Aos primeiros, cabe indicar as possibilidades de melhoria e as condições que seriam facilitadoras. Ao segundo, caberia propiciar estas condições e monitorar resultados acordados a partir de um conjunto de indicadores variados. A escola tem que ser vista como um organismo que se expande em várias direções (dimensões), e não apenas em uma: a melhoria da média do desempenho dos alunos. Se é reduzida a esta última, ocorre um estreitamento curricular danoso para a formação dos estudantes e a escola acaba ensinando para o teste. As médias podem até subir, mas ensinar para o teste não é o mesmo que educar. Este é o grande engano produzido pelas políticas de responsabilização verticalizadas.
De que forma professores/as e estudantes poderiam e/ou deveriam ser consultadas/os e mais atuantes nos processos de avaliação a que são submetidas/os?
Freitas – Eles deveriam participar da construção de processos de avaliação alojados no próprio interior das suas escolas. Fora delas, uma avaliação de larga escala amostral, apoiaria as políticas públicas. A outra forma de atuação diz respeito a construir uma frente contra avaliações de larga escala censitárias, para conduzir um boicote nacional a estas avaliações, como aconteceu recentemente nos Estados Unidos e que motivou cerca de 500 mil pais a impedirem seus filhos de participar de avaliações de larga escala com propósitos de responsabilização verticalizada.
Leia também:
#Soy más que una prueba: Reflexiones críticas sobre las evaluaciones estandarizadas (em espanhol)
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