Com 98% dos alunos na rede pública, Finlândia é referência em educação
28 de octubre de 2013
“A ideia básica da educação tem sido a igualdade”, afirma o professor finlandês Matti Salo.
Fonte: Terra Educação
A tão sonhada educação gratuita e de qualidade é realidade na Finlândia. Líder do ranking global Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos) em 2012, o país nórdico tornou-se um modelo de educação para o resto do mundo. Em um sistema em que a escola é obrigatória, cerca de 540 mil alunos estudam por nove anos, desde os sete, nas chamadas escolas secundárias. Antes disso, a escola é voluntária, mas quase todos os pais usam desse direito. Praticamente 100% dos jovens completam o período exigido, e 98% estudam em escolas públicas.
Os segredos da educação na Finlândia são vários e estão inseridos em uma conjuntura histórica e cultural que deve ser levada em conta. No entanto, o próprio Ministério da Educação e Cultura indica o caminho que pode ser seguido em qualquer país: um sistema educacional uniforme, professores altamente competentes e autonomia para as escolas.
A Finlândia já foi mais pobre e sem a alta tecnologia que possui hoje. Mas os finlandeses sempre acreditaram que era preciso incentivar a educação, ainda mais se tratando de um país pequeno que hoje conta com 5,4 milhões de habitantes, menos de 3% da população do Brasil. A profissão de professor é historicamente respeitada e valorizada. Em 1921, foi definido que independente da classe social, todos tinham direito à escola. Há quase quatro décadas foi implementado o estudo compulsório e desde então é exigido o grau de mestre para professores.
“A ideia básica da educação tem sido a igualdade”, afirma o professor finlandês Matti Salo. Trata-se de um reflexo da estratégia nórdica de estado de bem-estar social, afirma. A reforma educacional ocorrida nos anos 1970, buscou exatamente acabar com a distinção que havia entre um sistema de ensino curto para todos e um mais longo, que levava ao ensino superior. “Isso era contra a ideia de democracia em nossa sociedade”, diz Salo. Para buscar uma uniformidade no ensino, os finlandeses tiveram que se dispor a pagar altos impostos, ressalta. De fato, a Finlândia tem uma das maiores cargas tributárias do mundo – a oitava, 25% maior que a brasileira.
A equidade do sistema se dá em dois níveis. Em um deles, procura-se garantir, através de um repasse de verbas, a mesma qualidade de ensino na capital Helsinque ou em uma pequena cidade do interior. Em outro, busca-se a igualdade dentro de sala de aula. Suely Nercessian Corradini, diretora pedagógica do colégio paulista Vital Brazil, visitou escolas finlandesas para sua tese de doutorado. Ela destaca a importância dada às aulas de reforço. Grupos de alunos que não conseguem acompanhar as aulas vão sendo reintegrados às classes com o apoio de um professor treinado especialmente para isso, durante até dois anos. As dificuldades são identificadas logo no início, mesmo na escola primária, e trabalhadas. O esforço em incluir esses alunos é fator decisivo na hora do Pisa.
O governo finlandês ainda fornece refeições e material escolar de graça. “Isso é uma das coisas mais importantes. Faz uma enorme diferença na aprendizagem ter o almoço grátis”, diz Salo. As instituições de ensino devem ser próximas das casas das crianças, caso contrário há transporte disponível. O professor destaca também o bom investimento em saúde, com psicólogos escolares, assistentes sociais e enfermeiros disponíveis.
Ser professor é status
Ao contrário do que muitos pensam, valorizar o professor não é somente pagá-lo bem. Segundo relatório da OECD (sigla em inglês para Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o salário mensal do professor finlandês fica entre US$ 2,5 mil e US$ 4 mil (entre R$ 5,5 mil e R$ 8,8 mil) – um salário médio para o padrão nórdico. Tatiana Britto, consultora legislativa do Senado Federal para educação afirma: “O salário é baixo, mas é de classe média europeia. Ninguém acha que vai ser rico sendo professor, mas vai viver bem, com estabilidade e férias um pouco mais longas”.
Silvia Mutanen é brasileira, casada com finlandês, e há quase dois anos atua como professora de crianças menores de sete anos na Finlândia. Para ela, se o salário não é dos mais altos, o ambiente de trabalho é bom. Dois fatores contribuem para isso: a autonomia dos professores e a sua valorização.
Apesar de a recompensa financeira não ser um grande atrativo, a procura pela profissão é enorme. Segundo o Ministério da Educação, apenas um em cada dez candidatos a entrar na universidade para ser professor são aprovados. “Por ser uma carreira concorrida, ela desperta o desejo. E com isso eles atraem os melhores egressos do Ensino Médio”, afirma Suely. Assim, a profissão vai se valorizando frente à sociedade. Salo diz que a popularidade da profissão se deve a uma tradição de respeito à educação. O grupo qualificado que consegue entrar na graduação continua a contar com um ensino sólido. A formação, que inclui mestrado, busca proporcionar um excelente conhecimento da língua e de matemática, uma boa capacidade de comunicação e a compreensão do papel social da profissão.
Autonomia do professor
Ter professores de qualidade permite ao governo dar liberdade para os docentes. O professor Mati Salo diz que, mesmo que o Conselho Nacional de Educação e as autoridades locais deem algumas orientações, as escolas têm autonomia em compor o currículo, e os professores têm liberdade metodológica para colocá-lo em prática. “Isso motiva os professores e permite a inovação”, afirma. Suely ressalta que o currículo nacional especifica somente os objetivos gerais e cada instituição complementa o currículo em conjunto com os professores. Uma tarde por semana é dedicada a planejar e elaborar o currículo. “Aqui na Finlândia o professor tem total liberdade pra preparar sua aula, ele pode escolher os livros, o material, os recursos a serem utilizados. Há uma grande autonomia cercada de confiança e apoio”, conta a professora Silvia. “O professor não vai apertar parafuso, mas formar pessoas”, diz Tatiana.
A liberdade se dá também aos alunos. Não há períodos integrais, com muitas lições e tantas avaliações quanto no Brasil. Ainda assim, não é possível dizer que não haja pressão aos estudantes. Tatiana diz que, nos anos iniciais, o ensino é realmente mais lúdico, sem deveres de casa, mas há seriedade. “Eu visitei uma escola em semana de provas, com meninos de nono ano, totalmente voltados para aquilo. Todo mundo enfileirado, com o professor fiscalizando”, diz. O que não existe, de fato, é uma grande avaliação externa, um exame nacional. Para Salo, a avaliação não tem função de dividir os melhores alunos dos outros, mas ajudar a desenvolver métodos de ensino que apoiem os estudantes.
Mesmo com tudo isso, a preocupação dos educadores finlandeses é atrair os jovens para a escola. Salo relata que os estudantes, principalmente, em graus mais elevados, precisam se interessar mais. É necessário fazê-los perceber que podem influenciar na vida escolar.
O investimento e a preocupação em formar bons professores ajudam a colocar a Finlândia no topo do Pisa, mas a educação não é papel só da escola. Segundo Silvia, o contexto social e cultural do país faz da escola complemento e apoio do que a criança já traz consigo de casa.
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