Brasil: autorizada la fusión que crea el mayor grupo de educación privada del mundo

28 de mayo de 2014

[texto en portugués] Grupos Anhanguera e Kroton, que, juntos, têm mais de um milhão de alunos de ensino superior, agora avançam também sobre a educação profissional. Investigador Roberto Leher critica a monopolização do ensino superior e o enfraquecimento da educação pública
Fuente: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado. Estudiantes protestan en frente al Senado, en defensa de la educación pública.
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado. Estudiantes protestan en frente al Senado, en defensa de la educación pública. La foto es de 2013.

Anunciada cerca de um ano atrás, acaba de ser autorizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a fusão de dois grupos que, juntos, criam, no Brasil, a maior empresa do segmento educacional do mundo. Atingindo mais de 1,1 milhão de alunos nas modalidades presencial e à distância, a Anhanguera Educacional e a Kroton são empresas de capital aberto que têm ações negociadas na Bolsa de Valores e valem hoje, respectivamente, R$ 7 bilhões e R$ 14,5 bilhões no mercado de capitais. Ambas têm como maior acionista um Fundo de Investimento: no caso da Kroton, é o Oppenheimer e, na Anhanguera, é o PIP Administração de Recursos, antigo Patria Investimentos. “Há tempos está evidente que não existe uma regulação estatal para impedir a monopolização da educação superior no Brasil. Prova disso é que o Ministério da Educação nunca propôs uma legislação que estabelecesse regras para a presença do setor financeiro na área de educação”, diz Roberto Leher, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na verdade, o governo tem sido um importante incentivador dessas instituições através dos programas que subsidiam com recursos públicos a oferta privada de educação. De acordo com informações da assessoria de imprensa das empresas, hoje 63,2% dos alunos da Kroton e 46,9% dos da Anhanguera na modalidade presencial estudam via Financiamento Estudantil (Fies) e cerca de 10% são oriundos do Programa Universidade para Todos (Prouni), ambas iniciativas do governo federal. A empresa não teve disponibilidade para conceder uma entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz mas, em depoimento a uma matéria do jornal Estado de São Paulo, em agosto de 2013, o diretor-presidente da Kroton, Rodrigo Galindo — que, segundo a assessoria de imprensa será o “CEO” (chief executive officer) da nova empresa — informou que programas como o Prouni e o Fies eram responsáveis, naquele momento, por 30% da receita do grupo empresarial. E, segundo ele, como o governo federal dava “sinais claros e positivos” de que os incentivos serão mantidos, esse montante poderia chegar a 50% da receita. De acordo com informações do Portal da Transparência do Governo Federal, só pelo Fies, a Anhanguera Educacional LTDA recebeu, em 2013, mais de R$ 536 milhões de recursos públicos. Os dados referentes à Kroton estão desmembrados entre as muitas instituições que compõem o grupo. Somadas as referências que o Portal EPSJV/Fiocruz conseguiu localizar, chega-se a pouco mais de R$ 412 milhões. Como se referem à isenção fiscal, os dados referentes ao Prouni não estão acessíveis. “As instituições financeiras estão caminhando pari passu ao apoio do Estado, diz Leher. E completa: “Os Fundos de Investimento perceberam que um novo nicho de mercado estava se abrindo no Brasil”.
A novidade é que essas instituições estão avançando para a educação profissional. Em dezembro de 2012, uma Medida Provisória do governo federal, que depois foi aprovada no Congresso, ampliou a rede ofertante do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), incluindo as instituições privadas de ensino superior. Num Comunicado ao mercado de setembro de 2013, em que anunciava um “desempenho recorde” nos “processos de captação e rematrícula do negócio Graduação”, a Kroton informava aos futuros investidores que estava sendo uma das pioneiras na oferta do Pronatec por meio da bolsa-formação, em que, como explica o texto, “os alunos de cursos técnicos serão integralmente subsidiados pelo Governo Federal”. Naquele mês, segundo o comunicado, 6.752 alunos iniciavam os cursos de educação profissional em 20 diferentes unidades educacionais que compõem esse grupo empresarial. Hoje, de acordo com a assessoria de imprensa das empresas, são quase 15 mil alunos, em 38 cursos. A Anhanguera já ultrapassou as 22 mil matrículas pelo Pronatec, oferecendo 30 cursos.
Rumo à educação profissional
Em matéria publicada no Estadão, o diretor-presidente da Kroton, Rodrigo Galindo classificou como “excepcional” o potencial de desenvolvimento do Pronatec. Três meses depois, reportagem publicada no jornal Valor Econômico em novembro de 2013 informou que a previsão era de que, sozinha, a Kroton alcançasse 30 mil alunos pelo Pronatec até o final de 2014. Em maio de 2014, novamente no Valor , Galindo defendeu o “ajuste das contas públicas” e o “investimento em educação”, nos moldes dos programas subsidiados pelo governo, como os pontos principais da plataforma política do futuro presidente da República. “Portanto, uma das prioridades do governante que assumir a Presidência é continuar valorizando a educação superior e o ensino técnico”, disse, incluindo o Pronatec entre os programas destacados como exitosos.
Em dezembro de 2013, a Bolsa de Valores de São Paulo emitiu o informe “Saraiva fecha parceria com Kroton para o Pronatec”. Segundo o texto, o objeto do contrato é o “fornecimento de conteúdo em 25 cursos ofertados pela Kroton Educacional S.A.” no âmbito do Pronatec. No mesmo texto, informa-se que no segundo semestre de 2013 a Saraiva comprou a Editora Erica LTDA numa “transação” que “marcou sua entrada no mercado de conteúdo voltado para ensino técnico profissionalizante”. “Essa vai ser uma tendência forte, primeiro porque podemos acompanhar o deslocamento desses programas para a educação profissional. Não vai surpreender que em pouco tempo o próprio Fies seja alargado para esse nível de ensino”, diz Leher.
Números
A Kroton Educacional, que segundo a assessoria de imprensa terá aproximadamente 66,5% das ações da nova companhia, tem hoje 56 instituições de ensino superior espalhadas pelo país e 487 polos ativos de educação à distância. A Anhanguera, que deve se tornar minoritária após a fusão, tem 70 campi de ensino presencial e 500 unidades de EaD. “Os Fundos de Investimento obedecem à racionalidade da alta lucratividade, daí a proliferação de cursos à distância e de curta duração. E o Estado não controla”, explica Leher.
Com a fusão, a expectativa é que esses números se agigantem: segundo a assessoria de imprensa, serão mais de um milhão de alunos, a presença das empresas se dará em quase 700 cidades brasileiras, com 126 campi e cerca de mil polos de EaD. Mostrando um processo de expansão para outros segmentos do setor, o grupo terá também 876 escolas associadas na educação básica. O resultado financeiro é um “valor de mercado superior a R$ 21 bilhões”.
Democratização da educação?
Esse impacto da fusão, no entanto, não vai se refletir em benefícios como a redução do valor da mensalidade paga pelos alunos — e pelo governo, no caso dos programas subsidiados. “Nada muda em um primeiro momento. Os ajustes das mensalidades seguirão conforme planejamento original das duas empresas, prévio à aprovação do Cade”, responde a assessoria de imprensa.
Para o professor Roberto Leher, o processo de monopolização e financeirização da educação, do qual a fusão da Kroton com a Anhanguera é exemplar, é mais uma evidência de que a política de subsídios públicos à educação privada não visa democratizar a educação, como se costuma anunciar. “Antes de tudo, é preciso observar um elemento histórico”, diz, explicando que o argumento de que é preciso garantir acesso aos milhões de jovens que hoje não conseguem chegar ao ensino superior é o mesmo que foi utilizado pela ditadura empresarial-militar para justificar a expansão da educação superior. “Era preciso democratizar e isso seria feito por meio da iniciativa privada para que os ‘pobres’ alcançassem o nível superior”, lembra, destacando que isso estagnou as instituições públicas naquele momento.
Segundo Leher, esse mesmo argumento sustentou a política atual, lançada ainda no governo Lula, referindo-se, inicialmente, às instituições filantrópicas. “Hoje estamos falando de subsídio para instituições altamente lucrativas”, diz, e completa: “Quem apoia essas políticas esquece as mudanças que elas vêm sofrendo desde 2007, 2008. Não estamos mais falando nem de instituições privadas familiares que ofertavam serviço educacional. O Estado está financiando os Fundos de Investimento. E o negócio dos Fundos não é educação e sim o próprio Fundo”. Essa política, diz, define o tipo de formação que se oferece: “minimalista e rudimentar”. “A pergunta que devemos fazer é se estamos mesmo garantindo que esses jovens alcancem a educação superior. E a resposta é negativa”, provoca.
O discurso de que essa é uma resposta a uma situação emergencial, da qual as instituições públicas não dariam conta, segundo Leher, reduz o debate e esconde alguns cálculos. E o primeiro debate que ele propõe é sobre o custo-aluno nessas diferentes instituições. “Se fizéssemos a conta do custo-aluno das universidades públicas excluindo a pesquisa, a manutenção dos hospitais universitários e outras coisas que julgamos importantes para a formação, certamente o nosso custo seria menor do que o que hoje é pago às instituições privadas”, calcula. Mas pondera: “Poderíamos formar profissionais de saúde sem ter hospitais universitários. Mas estamos convencidos de que essa formação é desastrosa para o país. Não queremos ter médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos e outros profissionais sem experiência clínica e de pesquisa”.
Resta a pergunta sobre se existem recursos suficientes para se garantir a expansão da educação com esse nível de qualidade. É possível universalizar a educação, inclusive superior, com caráter público? Leher não tem dúvida. “Os recursos existem hoje, nos marcos da política atual”, garante. Além de mencionar a pouca participação da União no financiamento da educação, ele cita a política de isenção fiscal que vem sendo adotada pelo governo federal como um escoadouro de recursos públicos para o desenvolvimento das empresas privadas. Segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgada esta semana, a partir de relatórios da Receita Federal, estima-se que, só em 2013, os incentivos e renúncias fiscais e desonerações tributárias tenham custado R$ 203,7 bilhões aos cofres públicos. A esses números, Leher propõe que se acrescente o volume de sonegação fiscal das grandes empresas. De acordo com dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), em 2013, deixou-se de arrecadar quase R$ 502 bilhões por sonegação. “Como não temos condições de ampliar R$ 200 bilhões para toda a educação pública?”, questiona Leher, referindo-se à demanda dos movimentos sociais de destinação de 10% do PIB para a educação pública. Mas ele lamenta que também essa luta esteja sendo subvertida a favor das empresas privadas. “Se examinarmos o Plano Nacional de Educação, que está nos seus momentos finais de votação, veremos que o texto oscila entre direcionar a verba pública para a educação, sem especificar que é a educação pública, e a versão que está agora na Câmara, de manter a qualificação de ‘pública’ mas conceituando como ‘público’ todas essas iniciativas que são auspiciadas pelo fundo público, como Fies, Prouni e Pronatec”, relata, concluindo: “Tudo agora está no rol do público. E isso é uma derrota profunda”.
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